hoje meu coração disparou PARTE I

 um pé na bunda te joga pra frente. e a melhor vingança é ser feliz.

ontem uma amiga me deu de presente, de surpresa, "copo vazio". na dedicatória ela escreveu: "seguimos juntos ... em tudo mais que essa experiência de viver nos traz". uma dedicatória digna de ser escrita, afinal. na narrativa, Mirela levou um ghosting. ela se arrasta pelas ruas de São Paulo, transtornada para entender o porquê de Pedro ter desaparecido depois do encontro arrebatado entre os dois. Mirela não está só, nem Pedro.

[a trilha sonora deste parágrafo é "devolva-me", cantada por Adriana Calcanhotto.]

soube que Nestor está bem e namorando. aquela alma atormentada. faz exatos três meses que deixamos de falar. foi um ghosting reverso: ele desembarcou aos poucos de mim, e caiu no meu colo a responsabilidade de dar fim àquelas seis semanas de um encontro também arrebatado (para mim, ao menos [que desde o início suspeitei da desconfiança dele sobre meu corpo, da capacidade dele em foder, da disponibilidade dele para meus espinhos], que sou um personagem saído de um romance da Jane Austen). ele não me quis mais, e fui eu quem precisou parar de responder as mensagens dele mesmo querendo, desejando, desesperando cada centímetro quadrado da sua pele. perverso, Nestor não me chamava mais para almoçar, jantar, nem para tomar café, nem para sentar no parque e falar mal das senhorinhas bolsonaristas cheias da grana que circulavam com seus cães shitsu, yorkshire, lhasa-apso, tecendo comentários horrorizados sobre as eleições de 2022 - mas ele manteve uma comunicação territorialista, feita dia sim, dia não, do tipo guerrilha, em cujas mensagens ele dizia absolutamente nada, ora uma foto aleatória, ora um meme, ora uma figurinha ou um gif repetido em vários grupos de whatsapp. não eram convites para estarmos juntos; era só uma estratégia para me impedir de esquecê-lo. não sou homem disso. tomou um ghosting reverso. os dias foram e têm sido horríveis desde então. o que eu senti e sinto por ele é forte demais. mas esse arrebatamento é um animal, uma coisa viva que pode morrer. eu quero que morra, mas o arrebatamento luta por si próprio. o que sinto por Nestor luta, não se entrega, revida.

[a trilha sonora deste parágrafo é "ela é carioca", cantada por João Gilberto.]

mas conheci a Pequena no mês passado. cheguei num churrasco na casa de amigos, debaixo de chuva, e reparei nela de imediato. a Pequena é - pequena. magrinha, pequeninha, peitinhos, mãozinhas. é enérgica, tem fala acelerada, tem uma piada para fazer a cada frase e uma história nova para contar a cada cinco minutos. ela é fluminense, ela é fluminense - daria para reescrever a música. olhos de gata, oblíquos, honestos. nos olhamos de cima abaixo durante algum tempo. ela demorou um pouco mais nessa atividade porque tenho um metro e oitenta e cinco. e ela gostou. eu me demorei mais nessa olhada, apesar de ela ser pequena - a minha Pequena -, porque a camisa que ela usava marcava os bicos dos peitinhos. e gostei da combinação de saia rodada e tênis adidas. ela fumava, e eu estava aprendendo a fumar novamente (como se fosse possível [e é], fumar é como escrever, escovar os dentes ou andar de bicicleta). ela tinha uma carteira de marlboro light e eu, um saquinho de tabaco natureba. "ela é linda demais e além do mais ela é fluminense, ela é fluminense", eu cantava no seu ouvido. fumamos juntos porque eu fingi estar sem o isqueiro só para ela vir em meu auxílio - e veio. a Pequena e seu isqueiro amarelo. na primeira baforada eu quis beijá-la. e de fato nos demos mil beijos naquele churrasco, e eu perguntei a ela depois de muita cerveja e muita maconha: vamos dormir juntos, pelados? meus amigos, depois, insistiam que eu deveria parar com aquilo - porque eu só estaria querendo chamar atenção em um churrasco que deveria ser só diversão. minhas amigas, por outro lado, foram mais furiosas - desde quando eu pegava mulher, desde quando eu gostava de mulher, desde quando eu sabia chegar numa mulher? ora, desde que eu vi a Pequena. e desde que Nestor desembarcou de mim. os dias foram e têm sido horríveis, mas a pequena tem me dado momentos lindos, oásis na maré de mijo.

nesta história há um tanto de Mirela, um tanto de Pedro. muitos copos vazios. Nestor me destruiu com seu silêncio. mas me jogou nos braços da Pequena, alguém sem cuja companhia já não consigo imaginar meus finais de semana. penso em Nestor em todas as horas de cada dia desde que nos conhecemos no minhocão. sinto raiva dele, e pena, e saudade, e orgulho. o bichinho é bom no que faz. mas a Pequena é, também, um encanto, uma leveza, um oásis na secura da rejeição. (a Pequena é um oásis em qualquer lugar onde ela esteja, onde eu estiver.) com a Pequena eu gargalho de Nestor, mesmo que ela saiba que ele tenha existido na minha vida, com seus paredões. ela sabe o suficiente de mim. ele soube de menos, e eu nunca vou perdoá-lo por isso.