Todas as guerras cessaram por falta de munição, não por falta de ódio. E os exército esperaram, esperaram como estátuas em seus respectivos lugares, imóveis; os soldados loucos para lutar. Imóveis e inúteis, sem munição. Descomandados, acéfalos, os soldados pereceram. Foram se esvaindo pelas fardas, deixando despencar as baionetas. As trincheiras se encheram de lama, e depois de terra, e depois de areia, soterrando os arames farpados. Os tanques se retorceram, e as bombas, as bombas estouraram como gelatinas, como bolhas em gel, as bombas explodiram como um balão murcho. Cara a cara com o inimigo, na beirada da fronteira disputada, todas as guerras cessaram. Nenhum soldado bateu em retirada. Todos permaneceram no campo de batalha sentados sobre seus capacetes. As razões da luta permaneciam, mas os guerreiros estavam imóveis. Até os aviões foram retidos em pleno ar, e lá permaneceram com os motores ligados. Os navios encalharam na superfície mesmo do mar, enferrujando e afundando aos poucos. Nações inteiras aguardaram o desfecho das batalhas, o retorno de seus filhos e filhas à terra-mãe. Os filhos e as filhas da guerra, contudo, desconheceram o caminho de volta. Estado de guerra constante, em suspensão, sem nenhum tiro e nenhuma bomba, conservando apenas a sensação dolorida da perda, da marcha inútil, do sangue escorrido, do toque de recolher permanente. Só o desespero da guerra ainda ardia.