Ao menos uma vez na semana me coloco esta empreitada, a de escrever. Pois aqui estou. Estou vazio, de pé somente porque um sopro de vento passa por dentro de mim, como se eu fosse um bonecão de posto de gasolina. Leitores menos brilhantes diriam que sofro de flatulência. É sempre assim: há de ter uma regra, um cânone ou um paradigma para escrever, para ser entendido e para ser celebrado como genial. Do contrário, as mentes menos audazes sobrepujam toda interpretação mais promissora, mais potente. Vence a versão mais mesquinha para todos os parágrafos. Não é verdade que todo escritor ou romancista deve escrever somente quando já sabe o final de sua história. Também não é verdade que essa história de final já conhecido deva ser escrita com o domínio de quem escreve a história da Chapeuzinho Vermelho. Por outro lado, acredito mesmo que a fluidez, o magnetismo, o espetáculo de uma história fulgurante é um produto ao qual se chega depois de muito, muito trabalho. Por isso que ao menos uma vez na semana eu me coloco este desafio: o de construir uma história fulgurante. Minhas histórias fulgurantes são apenas uma, entretanto. Muito se escreveu sobre a escrita psicótica e as pistas aí contidas, possíveis de se fazer uma abordagem do fenômeno. Pouco se pensa da escrita neurótica, tão comum nos jornais e televisões e na própria narrativa recorrente que temos sobre nós mesmos. Minhas histórias fulgurantes são neuróticas. Repetem o mesmo refrão. Agora mesmo fui atrapalhado por um elemento da minha história neurótica fulgurante: "tu és incompetente". Vira e mexe, sobe e desce latitudes, com mais ou menos cervejas, a história neurótica fulgurante acaba nisto: "tu és incompetente". Muito do sentimento de vazio diz respeito a isso. Em associações cretinas, fui levado da lembrança de uma reunião de servidores federais para a qual não fui chamado para participar (por razões óbvias: não sou servidor federal e, portanto, incompetente para passar num concurso público) à lembrança de um cão já velho e magro que rosnou para mim e quase me mordeu quando tentei ajudá-lo a sair de um carro (por razões óbvias: o cão mal me conhecia e estava estressado depois de 4 horas de viagem de carro, portanto, sou incompetente para manter qualquer vínculo de afeto com seres cujo sistema nervoso é minimamente desenvolvido). Leitores menos audaciosos diriam que é só uma questão de escolher outro tema para narrativa. Diriam que é só uma questão de criar outros personagens. Outros cenários. Mas a linguagem caminha sempre para esta espiral: a espiral do vento que passa por dentro de mim e que me mantém de pé. O vento, em si mesmo, não existe; o vento é o ar, o ar indo de um lugar para outro. Para eu escrever sobre esse vento, sobre o ar indo de um lugar a outro em mim, e que me sustenta, eu tenho regras, cânones e paradigmas a serem seguidos se eu quiser escrever para ser brilhante. E enquanto eu não for brilhante, eu sigo escrevendo histórias neuróticas fulgurantes para leitores menos vorazes, menos perspicazes, menos rebuscados. Nenhuma história neurótica tem um fim. Nenhuma história neurótica é simples como a da Chapeuzinho Vermelho. Ainda bem que eu posso escrever "eu quero ir embora do mundo" de milhões de maneiras repetitivas, reincidentes, de maneiras que as mentes menos vibrantes entenderão, simplesmente, "ele quer se matar". Pois aqui está: o desafio de hoje está concluído.
Sinto assim: sem grandes movimentos possíveis. Nem pequenos. Nem poucos. Um cruzar de pernas já seria o suficiente, e não posso. Sinto perseguição e abandono. Os que me perseguem não são os mesmos que me abandonam, e os que me abandonam apoiam aqueles que me perseguem. Todos querem me exterminar: uns pela caça, outros pelo esquecimento. Que cruzada de pernas seria suficiente para alguém tão sufocado driblar seu egocentrismo? Periculosidade, agressividade, longas faixas inúteis da mesma cor pálida, satanismo, maledicência, vergonha, cansaço, micro-humilhações disfarçadas no sorriso cínico amarelado, palidez, solidão, revolta, rebeldia, pequenas noites frias de pura e intensa vontade de desaparecer. Eis aí aqueles que me perseguem e que conseguem me exterminar: velam por mim nas pequenas e sucessivas noites frias, puxando meus cabelos quando quase adormeço, gritando nos meus ouvidos quando quase sonho. Fazem com que eu sinta vontade de desaparecer, de me exterminar. Do que eu falo, então, quando cito e sinto perseguição, abandono, extermínio, desaparecimento? Uma abordagem, uma amostragem da morte. Um mundo triste, enfim, do qual saio quando durmo (e se durmo), quando desmaio, quando procrastino. Um mundo duro e infértil onde sementes apodrecem. Paralisado perante sementes natimortas e árvores de folhas secas.