[...]roca numérica. apenas uma mudança ao fim da sentença de números. às portas do "novo ano", o "novo" já havia ficado para trás como uma promessa de campanha eleitoral, para sempre protelada. pois demo-nos conta de que o antigo sempre fora a densidade consolidada por sobre a qual deslizaram todas as palavras e números do "novo" e do "futuro". o futuro, sim, era palavra e número a ser disputado; o "novo" era superado. relendo "a paixão segundo G.H." só pude sentir paz por caminhar junto dela através do inferno da coisa neutra da barata, pois a palavra e o número já não são mais neutros mas parciais. era límpido o inferno solar em que G.H. adentrou naquele pequeno quarto para, somente então, poder achar a coisa mesma da barata. de um sofrimento atroz, porém límpido. às vezes fantasio com o terror da tortura, com cenas da minha própria tortura, se porventura meu corpo cair em mãos que odeiam. tenho horror a essas fantasias, mas admito que as busco. pergunto-me se não desejo a tortura, a outorga cruel de sofrimento ao corpo, como forma extrema de atravessar o inferno solar de G.H. à minha moda. pergunto-me se não desejo uma forma de expiação ou de purificação, de punição, por ser quem sou, por ter me transformado em quem me transformei, por ter tocado ou tangenciado as vidas, todas as vidas, que já conheci. talvez a fantasia da tortura e a presunção de compreender G.H. sejam efeitos da sentença de mim mesmo, do júri que me confirma como criminoso. como se, depois de torturado e eventualmente ainda vivo, eu chegasse à minha coisa mesma de barata, eu chegasse ao meu neutro da vida para, a partir dele, poder ser violento usando palavras e números. como um mártir vivo e furioso, capaz de dizer a verdade sobre o núcleo irredutível da coisa mesma que precede e funda o humano. um sacrifício horrip[...]