a noite foi de festa. não dormimos.

eu chorei quando tu deixou de falar comigo.

eu não chorei, mas quebrei um copo.

fiquei esperando tu mandar mensagem, chamar pra conversar.

tu disse que ia seguir tua vida. eu deixei.

era o contrário: era um pedido pra tu não deixar eu seguir minha vida sem ti.

quando mais tu diz uma coisa querendo dizer o contrário?

eu já disse que te odiava, que queria que tu fosse feliz com os caras que tu tava pegando, que tu mudasse logo pra Europa. tudo ao contrário.

tu quer que eu esteja aqui, agora?

eu quero em todas as horas de todos os dias desde que eu te conheci.

ao contrário?

não, na única direção que pode ser. reto, direto, o papo não faz curva.

eu quis te ligar e te xingar, principalmente depois de uma garrafa de vinho.

deveria ter feito.

[risos] posso agora?

pode.

não quero te xingar. quero ficar. posso?

com uma condição.

[...]

não me deixe mais de tanga, no corredor escuro e úmido da tua tristeza.

[...]

 - beijo. beijo. língua, beijo. olho no olho. beijo, língua. pau duro. -

já não está escuro. e eu to feliz.

então eu quero morar no teu corredor.

o domingo com nuvens amanheceu denso da ressaca alegre da festa da noite anterior.

 a ilha se habita. é noite de festa.

 agora não se chora mais: o ghost se fez em carne. e ficou.

 te ver hoje me fez homem. obrigado. uma nova pele cresce em mim. obrigado. fique pra sempre nesta posição, deitado na minha cama, dormindo, nu. obrigado. tu veio. obrigado. eu te esperei. e entendo teu despedaçamento. obrigado por despedaçar-se em mim.

 [...]eito de ser feliz. pois não acredito nisso. não acredito, tampouco, que ele estivesse indisponível, indisposto para relacionar-se. "não se trata de um problema com você, mas de um problema com os outros em geral." eu não sou os outros. [acabei de lembrar que um dia ele me disse essa frase, mas saindo da boca da mãe.] é claro que se trata de um problema comigo. mas viver o esplendor da rejeição não admite atalhos. há de se bater um todas as portas desse palacete. às vezes penso em mudar de cidade. ou beber muito. optei por comprar novas roupas, coloridas e estampadas, curtas. quero expor meu corpo. e por falar em corpo, me exercito todo o dia. e por falar em corpo, mudei a dieta. e por falar em corpo, fiz mais duas tatuagens. e agendei a próxima para daqui 3 semanas. às vezes penso em pedir demissão do meu job. sinto que não sou descolado o suficiente pra ele. passei a detestar cerveja. ele queria alguém mais alegre, mas nossas playlists no spotify são tão parecidas. a cada dia que acordo vou a um velório diferente. de uma abelha no tanque, de um mosquito no ralo, de uma aranha na janela. cada cadáver conta uma história, e eu os honro por isso. portanto: é claro que o problema é comigo. às vezes quero só chorar, sobretudo quando chove. se me fosse dada a opção de recomeçar minha vida já sabendo do que aconteceria só para não repetir, eu escolheria morrer de vez. porque as novas escolhas me levariam a erros piores. ele não foi um erro, embora eu tenha sido um para ele. cogito morrer, sem dúvida, mas com isso não preciso me preocupar. desço um degrau por vez para melhor respirar o ar úmido desse porão. toco as paredes para bem sentir o mofo entre os dedos. quero conhecer todos os cômodos da recusa. nas últimas semanas sou só o pó de glitter, sem brilho e sem cor. há dias em que tenho vergonha; em outros, só cansaço. é claro que penso em fugir, sumir, desaparecer. me sinto descartado. trocável como um bonecão de posto de combustível que não tem direito de ser f[...]

 vou a um café. vendem-se livros ali. sento de frente para a estante. lá está ele, vibrando, gritando. olho pra ele, e dói. baixo a cabeça. ligo o computador. ele late e mia. peço um café, leio um artigo em inglês sobre uso de medicamentos. preciso de qualquer coisa que me arranque da mesa, da prateleira. ele ainda canta. chega o café. faço um cigarro. vou pra calçada. fumo o cigarro, empurro o café pra dentro de mim. ele assovia e pisca pra mim. volto pra mesa. uso de medicamentos nos estados unidos. altas taxas de prescrição de antibióticos para crianças. ele me lambe da prateleira. milhares de dólares gastos com tratamentos de infecções respiratórias agudas. um rapaz bonito chega sozinho, senta à mesa, olha no celular. fantasio que ele pode estar te esperando. mais um date, mais um encontrinho, mais um contatinho. ele uiva. o rapaz bonito só pode estar te esperando. tu só pode estar vindo encontrá-lo. tu só pode ter me esquecido. ele muge e rosna pra mim. tratamentos com antibióticos devem ser reduzidos ao mínimo de dias. ele é teu novo rapaz. vocês são lindos juntos. peço mais um café, faço mais um cigarro. fumo na chuva. eu fantasio que vocês vão ficar juntos para o resto das suas vidas. tu só pode estar feliz, e eu, molhado. te conheço, te desejo. e tu solto no universo procurando outro e outros. te conheço e eu preso naquela praça, naquela tarde. nem um minuto se passou pra mim desde então. eu quero que isso pare, que isso termine. que horas tu chega pra encontrar teu boy? na prateleira ele me chama pelo meu nome.