[...] agora está claro: entendi tudo.

cheguei em casa e lasquei vinho na taça. no copo.

tomei um, dois, três. e fui entendendo.

e acessei o xvideos. e fui entendendo: tomam um, dois, três.

só faz sentido em zoom: se mais perto ou mais distante. se mais perto a gente vomita. não dá conta. é como ícaro, ou como rádio. matam, derretem, destroem. se mais longe, é como inveja. uma grama verde ao lado. um corpo mais bonito. um sorriso mais branco. um currículo mais longo (ou mais preciso).

fiquei nu e sentei no sofá. nada contra o sofá, mas eu precisava ser lambido pelo vento gelado do ar-condicionado. no corpo todo ardia uma labareda que SÓ O AR-CONDICIONADO poderia apagar. e eu paguei a conta depois.

decidi que começaria a rir de mim antes que os outros rissem. e se não rissem, se minha piada fosse totalmente interna (e todas são), eu mesmo assim faria piada do fato de eu rir de mim mesmo. ratificaria o menosprezo. acho que ficará mais fácil no futuro, se for assim e somente assim.

nenhum centavo valem minhas memórias. é que quando a mãe da gente abandona, devolve ou nega, a gente se pergunta porque essa enrascada começou. e daí nada mais depois faz sentido. não é edípico, pois não se trata de jocasta. é jásico, pois se trata de medeia. fui morto numa fogueira quando ela soube da gravidez. nasci numa labareda.

todos os que tiveram uma mãe sabem quê. e não clicam naquela aba do xvideos. mas os que não tiveram gozam precisamente com aqueles filmes. se vingam das mulheres, em geral, pelo gozo geral.

depois tem a ficha da solteirice, que é como da solidão mas com registro civil: SOLTEIRO. tudo bem, não me incomoda. já me incomodou mais. pelo menos minha parte na herança (né, mãe) é minha. a outra leitura, mais estética: como você se apresenta ao mundo? é inevitável. a pergunta mais ontológica: quem você é? aparece nas mentes menos brilhantes. a pergunta pragmática, o que você fez? é típica dos infelizes. a pergunta moral, por que você é assim? é a que rende mais desculpas e justificativas. mas a pergunta que realmente sempre me importou responder, e ninguém fez, é: em qual mundo tu deseja viver?

desinfetar a casa com álcool 70 pode parecer até exagero, mas mantém os bichos longe. eu quero os bichos longe. posso até assar as duas minipizzas que estão no congelador, e posso inclusive esquecer o sorvete que tomei após o almoço, mas nunca, nunca, vou esquecer que tu me disse que eu não deveria estar ali na praia porque a sunga comportava um corpo descabido. "manter os bichos longe." sigo limpando a casa.

se eu acordar agora, posso deletar os sonhos que tive até então?

se eu cair agora, pode ser com a velocidade instantânea?

como num piscar de olhos sair da vida. os rapazes trocando passes com as bolas na areia: um grito casual de quem não sabe que eu existo - ouvi numa canção. os surfistas por dentro de um túnel de água simplesmente me superesquecendo. os maratonistas pisando no asfalto e suando a ignorância de mim. os lixeiros, os pedreiros, os livreiros, os azulejistas, os carteiros e os pintores, os ourives, os punheteiros, os marceneiros, os jardineiros e, finalmente, os entregadores de gás. eu falhando na memória de todos, inclusive no meu cheiro, inclusive no meu gosto - pois meu rosto já nem comparece. 

encarar o desconhecido sem parapeitos, sem gradil. desaparecer. cair. fantasio muito com a queda. entregar-me à gravidade - à coisa que pesa e que puxa pro chão. que leva à terra. à coisa pesada. aceitar me despedaçar com a proximidade da atmosfera. estilhaçar em contato com o oxigênio. brilhar como cometa em contato com o ar. e aterrisar, tocar o chão, afundar, espatifar o solo inteiro, explodir pedaços de mim na tangente macabra. descer. ser abraçado pelo vento. dormir no aconchego de um ninho de algodão macio deslizante. e deslizar velozmente até o chão. e cintilar de vermelho e ocre nas mais belas curvas desintegradas que hão de existir.

entendi parte do todo, que há de se despedaçar.