[...]hnas que, no pé esquerdo, têm um problema. não sei se é porque eu piso torto e, por isso, elas crescem quebradas. ou se é uma maldição. meus pés, deles eu cuido, pois dizem muito de mim. a pele deles e as cutículas, os desenhos (quadrados) do corte que imprimo. detesto unhas compridas. detesto pessoas compridas. a barba comprida em mim inflama e dói, fica feia. desejaria alguém comigo, nas unhas e na barba, nos filetes que saem do meu corpo: unhas ou barbas. alguém comigo. não haveria crise se houvesse um carinho. um rapaz entrou na minha casa e disse: "que legal, tu colocou pantufas nos pés dos móveis", mas eu não pensei que isso seria cuidado. tratam-se apenas de camadas de feltro entre os móveis e o chão, que alguém aligeiradamente chama de cuidado. para mim são formas de não tocar. não toque na minha casa, nem em mim, nem no meu pinto, ORAS! toque na ideia resplandecente de ser eu mesmo. destrua minha carapaça, pois tu já o fez, e entre na minha carne mole de molusco - revestido de coisa dura e por dentro mole, pulsante, quente. não sou sedutor e nem posso. não consigo, não sei. mas tu, ai, tu, saia da minha sala ou entre em mim. das coisas que carrego, a mais pesada é a necessidade de dar mais passos do que eu imaginava da lavanderia ao quarto. já pensou o peso? pensa o peso? limpo o vaso sanitário onde eu cago por gratidão e dignidade, pois eu faço e eu limpo. responsabilidade. quero belezas que extrapolem o vaso, o sanitário, o elástico da cueca. que vazem e caiam pros lados, mas minha casa tem esconderijos. e eu não sei limpá-los. a quem eu quero enganar? os dedos oblongos desejam hidratante; os pés carcomidos desejam em silêncio uma faca ou estilete que REMOVA A PELE DURA DE QUALQUER CONTATO COM O OUTRO, mas sangra. é escolher a dor. o outro perto de mim = a dor. atribuir nota aos alunos; aceitar o sinal vermelho no trânsito; a chuva que molha o vizinho e não eu. eu quero a chuva. meu maior pesadelo é morrer torturado nessa nova democracia que se contrói no Brazeel. tenho medo da tortura, como se eu já não a vivesse. mas pau-de-arara é diferente de um aluno que te odeia. choque elétrico é diferente de um colega professor que te despreza. unhas ou barbas: o que eu tenho de armadura. arma-dura = que lança haverá de me penetrar? de tão espaçosa e límpida, minha nova casa exige de mim atenção desde às sete da manhã: pois te amo. não posso dizer que eu sempre quis uma coisa simples pra minha vida, seja isso corpo ou roupas ou língua ou sorriso ou casa ou profissão, mas quis uma coisa tranquila. haha. nunca houve. nunca houve um sequer coisinha de 'te amo'. nunca ouvi isso nem li. das coisas que mais me marcaram, foram duas: a bala que matou meu irmão bem no coração e a tatuagem que fiz bem no peito, onde a bala perfurou o corpo dele. pois também tenho uma bala no meu coração e a diferença é que estou vivo. não é mais digno. o mundo que encontro é feio e fantasio sobre o dia em que eu vou deixa-lo. a tatuagem é A PERMANÊNCIA DA PELE FINA DE QUALQUER CONTATO COM O OUTRO. deus me livre me apartar da cerveja, da chuva e da música. não me torture nas coisas poucas que sou, não me prive disso: eu sou um serumaninho odioso, mas das coisas da água caindo no vidro e dos sons chegando no ouvido e do álcool chegando na coisinha toda e pouca que é meu corpo, DISSO EU ENTENDO. disso eu quero um pouco, sempre, para sempre, na minha vida. não vou embora sem isso, tampouco sem as memórias das pessoas que bateram na minha porta e no meu corpo - com dor, com tesão, o meu corpo cresce no contato com a memória alheia. porque meu corpo continua a crescer pra fora de si mesmo, como se tivesse memória, como nos cabelos e u[...]