Eu não suporto mais a minha própria voz dizendo que não dá = coisas de neurótico. A bunda assentada na cadeira Tok&Stok, bem confortável, bem murcha. Eu não consigo prever o que eles querem = eles, essa legião que me consome. O exército que me suga. Desisto do nome, dessa "              " que me vem. Não adianta recheá-la com músicas acústicas ou com fatias de filé mignon = que armadilha terrível. Não adianta baixar a cortina, não adianta fingir que não vê, não adianta molhar as plantas na sacadas fingindo estar despretensiosamente ali bonito. A beleza jamais te visitou. A que isso vai esconder: qualquer ferida ou rasgo? Desfaz-se neste momento a cadeia nacional de ódio e vergonha. De que adianta, me diz, pra onde vamos? Pra onde vai a superfície da pele que gruda nos músculos, transparente? Pra onde vão os músculos? Esta é uma pergunta minha, mas que também pode ser tua e nossa. Nossa pergunta, algo que compartilhamos: o que fazemos quando somos recusados? Minha história inteira, a dobra lisa de minha pele, e todos os pelos e os dentes, a história dos meus dentes, das coisas feias entrementes, o pelo nascido e inocente de qualquer esporro, o próprio pênis inocente. Haverá pênis inocente de qualquer coisa neste mundo? Não dá = há coisas que voltam. A pele descascando. A escolha errada no xingamento = um xingamento errado, eticamente deslocado. Pele mole, dobras cutâneas. Flacidez. O destino, meu destino, que não desvia um milímetro de todo o erro que ele me guardou. O fundo do copo me guardou uma frase ou sentença, uma oração = nos dois sentidos. Parte de mim me anima, e quer ver aquilo que realmente há borbulhando na pele e nos pelos, por entre as placas do crânio. Nada é reluzente. Os desenhos, as imagens, os movimentos inibem tudo o que exite por entre pintas marrons, as veias saltadas. Nunca haverá VOCÊ. VOCÊ é uma farsa, nunca se teve notícia boa ou má, ou regojizante de VOCÊ. VOCÊ não veio, não virá, não passou em pretas nuvens. VOCÊ não fez tempestade na minha vida. E ainda sim cava um buraco em mim, em espiral, buraco cretino. VOCÊ = cretino. VOCÊ = que labirinto há cuja saída é íntegra? V               Ê. Saudade.
São, na verdade, as palavras em guerra. Aquilo que qualquer um de nós reconheceria como um insulto, uma agressão. Um dedo apontado em riste para o teu rosto. O dedo em riste para o rosto pode ser também o pênis ereto para a boca. É por isso que soa tão ultrajante; é por isso que soa tão potente. Gritos ecoando da boca. Sons estremecendo nos lábios. De onde toda a beirada das palavras guerreia: minha nova diretriz é manter-me firme na palavra. Não naquilo que a palavra diz, mas naquilo que pode dizer, no efeito da sílaba, no eco. Há debochados chamando-me de Nossa Senhora das Flores. É esta a beirada: de ser um insulto e também uma obra, uma arte, uma experiência literária. Uma guerra da qual sempre se sai perdendo, mesmo sendo o melhor no front. A palavra sempre vai embora da guerra, depois de iniciada. E ficamos nós implicados em saber sobre quem a palavra dizia. A palavra nunca tem compromisso com a guerra. Mas o que fica, então, depois de dita a palavra em guerra? Ficamos nós inteiros, nossa coisa mole interna, a parte de dentro da nossa pele, e também sua superfície. O corpo fica em guerra, os lábios, mesmo depois de proferir a palavra. "O dia do fracasso geral" dito no espelho: eu nunca fui tão fundo no caráter sanguíneo da guerra. Nunca fui tão consciente naquilo que cada uma delas poderia dizer, grudado na sua beirada no front de batalha. O espelho respondeu: "Mais um dia do fracasso", na voz de uma mulher. O limiar, a franja da guerra: eu invertido. Palavras morrem no front, nas trincheiras. O corpo continua agonizando, à espera de outra palavra. E sempre vem outra para recomeçar, para relançar um pouco mais adiante a granada que explodirá na próxima palavra, dita pelo outro. Passo os dedos pela pele, sinto os pelos, a camada morta. A pele morta é mais densa. Reconheço-me na busca pela morte, no desejo de ir embora do mundo - algo banal, já-dito - "reconheço que quero morrer". As palavras saem trépidas dos lábios, com granadas, as palavras ditas no espelho. Mas lá na superfície do espelho tocam e reverberam, sem nenhuma reflexão: guerreiam, as palavras recém ditas, e como todos que se postam frente ao espelho, atravessam-no e tornam-se o seu avesso, a sua inversão, a sua antítese.