tu sempre foi franca com aquela com teu é. tu sempre foi justa. eu gosto de ti porque a pessoa que estava comigo, que me mandava áudios, era tu. quando tu vestia roupas, máscaras; eu sabia que tinha tu e mais alguém. esse alguém eu estranhava. mas era tu. teu timbre de voz, o ritmo da tua fala: era tu, pelada. e eu brincando na água, meio pelado, meio envergonhado. eu sabia que era tu: te ouço em outros sotaques. mas é tu. a imagem que forma na minha cabeça é do teu rosto e das tuas mãos. está comigo desde muito. é de ti que recordo: tem um cheiro, que é da água sanitária, do cigarro. tu sempre esteve. se eu fui embora, o que há de repreensão? somente o fato de cada minuto ser individual. jogo a responsabilidade no tempo, no fato de sermos indivíduos. mas é mesmo nosso problema? e se tu voltar, o que eu faço? eu continuo sem trégua, e quero que tu cavalgue sobre o que eu digo.

  é só porque nos sentimos sem poder que desejamos brasília.

 eu vou começar a falar de algo do qual me arrependo. e é por isso que falo.

o vizinho sem camisa na janela. o colega balançando a pica no banheiro de um ministério. o jovem que diz ser mais velho do que é.

se a questão é poder, por que ninguém diz que existe um limite onde isso acaba?

se a questão é preço, por que ninguém reivindica aumento?

se a questão é valor, por que todo mundo se acha a última bolacha?

eu estava com o braço dentro de uma máquina que quebrava os ossos. me perguntavam onde ele estava. e meus ossos se quebravam. eu não respondi.

eu estava na casa de amigos. ninguém sabia que eu estava ali. eu me envergonhava de estar habitando um terreno privado que não é meu. esperava ser descoberto. eu não fui.

e se essa porra não termina nunca, haverá um concurso que integrará os desejos de toda essa gente de estabilidade? a vida que sonharam? as coisas mais difíceis? ou é só ganhar o dinheiro? na greve, na troca de governo?

não me quero do jeito como estou. talvez eu queira algo que escape à vida que sempre levei: ou seja a vida que sempre levei, deslocando de cidade em cidade. quero coisas que não são o bigode, nem o despacho. onde cabe a virilha depilada e o saco sem pelo na política? estamos precisando de você [dedo voltado pro presidente]. o que eu quero não cabe na esplanada. e pensar que 11 anos atrás eu queria brasília. me arrependi de ter saído de lá. e hoje a minha morada sou eu mesmo, o tempo é a minha casa. porque brasília é só pros fortes: quem se sabe sozinho, sem poder, sem estatuto, sem consultoria, sem organismo internacional. é só porque estamos sem poder que desejamos brasília.

nessas eu me curo. é curioso: são mulheres aquelas que me impulsionam. sempre achei que fossem homens. é que a diferença estava nas duas primeiras letras: mulheres me impulsionam; homens me pulsionam. é, por exemplo, a chuva. a cerveja. as roupas. por outro lado, temos: o álcool. o perfume. o frio.

neste novo patamar ou ciclo da espiral há panturrilhas. e há beiços. o desafio que me coloco, que se coloca para mim a partir do mundo, é circunscrever o quanto as calças poderão passar por essas panturrilhas, ou não passarão. o quanto os olhos poderão passar pelos óculos, ou não passarão. o quanto os beiços poderão me beijar, ou não servirão. eu retomo uma frase que escrevi muitos, muitos anos atrás: "o beijo que te dei também é meu". não arranque nada de mim (eu não vou buscar, mas de preferência não o faça. por razões éticas). o adjetivo que uso para te chamar: ele é parte meu. não o tome de mim acreditando que é somente teu. o cheiro que eu cafungo, da tua cueca usada ou do teu perfume importado: sou eu quem cheira, sou eu quem lembra. é o nosso cheiro, pois tu exala e eu sinto.

é uma delicadeza uma mão estendida, principalmente vinda daquela mulher tão forte. eu sei: ela vai me curar. pois eu fumo com ela; nós fumamos. e se o meu peito for o mesmo dela, quem vai morrer antes?