a parte ausente sempre produz temor. porque qualquer coisa ou qualquer pessoa - menos nós próprios - pode habitar aqui mesmo. a parte ausente é um trono, um berço, uma cadeira de balanço para o outro. a ausência é, em si, uma lacuna concreta e material. o nada está aqui. temos a companhia de algo que nos falta. compartilhamos com o vazio (essas bolhas, os vacúolos) a existência. existir é também ser vazio: estar acompanhado de buracos. o vento assovia alto quando encana pelos buracos. às vezes faz frio, outras vezes faz calor: sempre cintila o espaço oco, afirmando-se na sua presença. o medo é justamente de que a presença da ausência seja suprimida pela irrupção do outro em mim. medo de que a lacuna seja substituída pela história que o outro vai contar de mim. medo de quando a bolha estoura, de quando o vacúolo é inundado, quando o nada ganha corpo e o vazio, um rosto.
decidam quando me tirar da vida pública (do condomínio, do bairro, da conversa lateral, da vida social como um todo). eu jamais saberei quando ir embora. sempre acharei que é tarde demais.
sonho 7:
preciso chegar à universidade. escolho ir até lá escalando prédios. quanto mais eu avanço, percebo que as paredes estão tomadas de limo. chego num determinado ponto em que não tenho mais onde me apoiar. preciso voltar e recomeçar o percurso, agora caminhando.
estou em um ginásio onde acontece um jogo de vôlei. as jogadoras são todas meninas. o técnico de um dos times é um grande amigo da época da faculdade; o técnico do outro time é meu atual chefe.
ex-premer aquilo que sinto, secretar - tornar o segredo público. fazer escorrer por um buraco. fazer visível por meio da transposição epitelial: dentro > fora. pela boca, mas também pelos olhos, nariz. pelo cu = o cu é muito sincero.
o meu sentido, adquirido com muito custo, sou eu que guardo.
sonho 6:
subo uma escadaria, junto com muitas outras pessoas. outras muitas descem. um homem vestido com farda militar, em tons de verde, absolutamente lindo, desce as escadas em minha direção. um pedaço da sua farda toca levemente meu rosto: sinto o brim verde roçando na minha bochecha. penso que jamais na minha vida chegarei tão perto de um homem tão bonito de novo. (quis o destino que hoje, acordado, eu pegasse um taxi com um rapaz bastante atraente, e que ele, ao trocar a marcha do carro, roçasse a mão no meu joelho.)
sonho 4:
vou a um encontro romântico com um jovem rapaz. nos encontramos em um café na cobertura de um prédio alto. o chão do café é todo feito de vidro, e sentamo-nos em uma mesa na beirada da cobertura. eu sento de costas para o horizonte. por causa do chão de vidro e da minha posição na mesa, eu entro em pânico, com medo de cair da cobertura do prédio. fico paralisado, e o jovem rapaz se frustra pelo encontro. sinto-me fracassado. em seguida, já não estou mais na cobertura do prédio e lembro-me da sensação de quase-cair, também da sensação de fracasso romântico. ao lembrar-me da cena e dos sentimentos, penso que aquilo não foi um sonho e sim algo absolutamente real; fico em dúvida. (surgem, de repente, buracos de viagem no tempo que abrem portais para outros espaços: ao atravessá-los, qualquer coisa e qualquer pessoa pode viajar. são buracos que engolem pilastras e carros, nos quais eu mesmo desejo entrar.)
sonho 1:
o pró-reitor me pergunta se o projeto de pesquisa já está pronto par ser submetido à agência de fomento. envergonhado, respondo que está em processo de finalização.

sonho 2:
uma professora pergunta-me se já li o trabalho de conclusão de curso da sua aluna. eu respondo que não, que jamais soube que eu faria parte da banca de avaliação. percebo neste momento que falo nu, sem roupas. a professora me entrega uma cópia do trabalho, na qual há várias anotações com minha letra. percebo que já havia lido, sim, o trabalho e que era interessantíssimo: a aluna fazia um mapeamento de palavras novas que surgiam na língua portuguesa a cada dia, que eram absolutamente originais, neologismos cotidianos atualizados, cujos significados eram ricamente construídos de acordo com a vida que as pessoas levavam. ela prova que essas novas palavras tornam outras obsoletas.

sonho 3:
moro num apartamento belíssimo, cheio de quartos e de salas, de cozinhas e de banheiros, no qual somente eu moro. é um apartamento tão grande que eu mesmo ando por ele e descubro novos cômodos fantásticos, todos mobiliados. preocupo-me, porém, em como manterei a limpeza de espaços dessa magnitude (são, efetivamente, espaços magnéticos, pois sinto por eles uma atração, um calor no peito de euforia em saber-me morando em um lugar assim).
estar na ilha e separar-se do continente, mas a ilha é o continente. a ilha vem a ser um continente. é próprio deste terreno tornar-se seco e imóvel. eventualmente a ilha cessa sua deriva, estanca, e aglomera-se com outras ilhas, ou permanece isolada. o que define a ilha não é seu movimento, mas a qualidade da separação em relação aos continentes. entretanto, as ilhas imóveis são pequenos continentes insulares. recuso o pensamento de uma comida, de um prato de comida, com medo de sentir fome. a ilha não dá de comer ao corpo. os livros estão bem organizados na ilha. o saber tem seu lugar, mas eu não tenho lugar no saber. o sonho ideal de fechar a porta do mundo repete-se toda a noite. das segundas às terças e das quartas às quintas é como se eu vivesse pequenos sábados para domingos. das sextas aos sábados e dos sábados aos domingos é como deveria ser. trata-se de uma ilha quase hermética, impermeável ao continente. se pudéssemos conceber, ao revés, um continente enquanto uma ilha, eu voltaria ao continente cônscio de que não importa a terra onde eu pise: seca, isolada, estanque, imóvel, separada dos pequenos continentes, a ilha sempre haverá de me encontrar, de fazer-se em mim. a problemática das ilhas nunca foi a distância, mas propriamente a separação dos grandes continentes. também nunca foi emblemática a imobilidade das ilhas, posto que sua grande marcação distintiva é o fato de serem desertas.