[...]á tirei os panos e as coisas porque tu viria aqui em casa pra rasgar então rasga essa merda e veja bem o que a natureza meteu não há nada de mais ou de menos é apenas o que eu tenho é o corpo na extensão que me foi dada eu não tenho como alongá-lo e nem quero fazê-lo prefeito vomitar na tua cara a saber-me devedor de uma parte de meu ser que deveria ser maior quer centímetros pois os tenho 18 181 818 181 818 818 81 1 1 8 18 meça à vontade seu monte de lixo tóxico que tem uma entra da usb do tamanho daquilo que tu espera do outro rasga mesmo essa porra e veja se quer pegar pega pega pega nessa porra e não queira maior porque tu não vai ter maior nem grande nem roludo e não chora porra viajado não chora nessa merda de sofá que eu comprei com para porra de chorar e sai agor e leva essa foda de cueca rasgada que nem quero para eu poder dormir de graça na minha própria cama saia você também dessa boa casa que nada mais quer que um silêncio e um pouco de espaço sem a rola dura que se diz imensa e nada mais é que uma entrevista de emprego simpática do meu c[...]
[...]arei uma lista com nomes e um "muito obrigado" no final, bem simples. os nomes serão estampados com fontes de impressora; a minha assinatura será a mão, cambaleante, pois estarei sob efeitos de remédios. penso eu. não é muito óbvio pra mim se farei de consciência nua. agora, pensando naquilo que a vida pode se transformar, tendo a achar que pode ser. tem uma dor fundamental - não porque é importante, mas porque é iniciante: está em mim desde sempre. pessoas me deixam. e me deixam porque sou algo ruim, ou feio, ou inútil. buenas, trata-se de uma experiência báááásica de quem está no mundo, e não configura crise pra uma parte dos indivíduos no mundo. pra outra parte, é o estopim pra o "foda-se". pra outra, a chave da cadeia. para a maior parte deles, suponho, trata-se de um descolamento do mundo lá onde o mundo deveria suturar-se às pessoas. lá onde o mundo deveria magnetizar os seres, há algo que os repele e que os expulsa do âmbito do vivível. um chamado a vivermos aqui, mas sem nós. é bem verdade que o mundo precisa de gente ruim, feia e/ou inútil para que as boas, belas e enérgicas sintam-se isso e mais que isso. acredito, porém, que há outros ganhos em estimular os indivíduos a surfar na maré de merda. porque a dor é fundamental: é estruturante da relação com o mundo, com o trabalho, com os amigos. é indicativa da forma de término: sempre radical. a onda que quebra, turbulenta, da qual queremos sempre sair, é ainda acrescida do péssimo gosto e cheiro. não tenho suficiente formação e informação para saber se tal experiência fundante modifica ou não a estrutura do cérebro, genes, relações entre as células. enquanto estiver aqui, contudo, saberei que me foi dado um script. não sou alguém que segue ordens, o que significa que posso ser feliz. ou apenas leve - é o meu sonho. ser alguém diante de quem não há elemento que puxe, que cole, que magnetize. não quero entrar pra história - quero apenas sair dela com o mínimo de dignidade. há uma dor fundante: querer-se, estando no mundo, menos. não porque o mundo não seja bom o bastante, mas porque apenas não se quer. não se tem vontade de estar nisso que foi feito do mundo.  e então não é mais problema o mundo em si, mas as práticas que o tornam o que é. entendo, mas não me chame para ser militância pró-salvação-do-mundo: digitar a palavra "militância" é próximo de digitar a palavra "satânica" e "militono", e acredito que tais atos-falhos devam ser incorporados. quero um mundo vivível não apenas por ser belo mas por ser razoável: que ouça minha razão. suponho um mundo corpóreo, organísmico (novamente): um mundo que vê, que ouve, que sente, que processa os sentimentos; um mundo sensível. penso que este é um mundo sensível, este no qual vivemos, o mundo que é. mas a sensibilidade geral que o faz, que o organiza, apenas não deixa tempo para que minhas partes côncavas se alinhem às suas convexas: como se fossem engrenagens, elas passam muito rápido por mim, desabilitando quaisquer acoplamentos. e ignoram que eu tenha parte convexas que poderiam contribuir para esta paisagem (triste) que vejo, na qual vivo. o fato é: este espaço vacante que tenho, e no qual as coisas do mundo se enganchariam em mim, se torna inútil; e aquilo que tenho para dar, eventualmente a quem puder, não é julgado relevante: sou uma engrenagem cujas vilosidades (sou um intestino?), cujas dentições (sou um boca?) são permanentemente desgastadas e apagadas. torno-me uma roda solta, reprodutora de si mesma num perpétuo movimento. não como nem cago nada. não sinto a dor e o gozo das outras dentições me penetrando. não me encaixo, afinal. e é isto que toda a maquinaria objetiva: que sejamos mais uma roda infértil girando dentro do motor. mas a dor fundamental não permitirá que isso aconteça. é próprio de que se sente ruim, feio e inútil que haja estremecimento, choque, vibração, atrito: entropia. haverá sabotagens. quis-me livre e cá estou implo[...]
[...]ogou o corpo do homem no mar. ele estava sem vida. mas ela lembrou de quando o conheceu, de quando ele assim chegou, de quando ela aceitou, de quando eles pegaram o barco e foram a alto mar. ela pôde beijá-lo e dar despedidas da vida aqui, homenageá-lo. pergunto-me se falta um pouco de homenagem na vida hoje. se falta um pouco de reverência, de silêncio frente ao corpo que não fala mais, que não age mais. se falta um pouco de solidariedade na nossa perspicácia de saber-nos mortais e findáveis. toda luz, toda rua e esquina, e o chão por onde passei não teriam sido o espaço contraído de um belo amanhecer no qual eu e os cheiros do lixo com vermes poderiam ter vibrado de modo a transmutar o resto em tudo? não terá sido isso toda a história da natureza? perdoe-me, mas ajoelho apenas para aqueles que despem-se. perdoe-me, mas gozo apenas para aqueles que estão nus no luar. queira-me, e te condeno a navegar. cuidado com o mar, com as lagoas e com os barcos em geral. eu os uso para matá-lo. e o mato. te quero silencioso como fumaça, adentrando meu quarto. te quero móvel, doce, macio. te mordo. quero tudo da grama, e me ajoelho nela, para tirar de vós aquilo que há de mais vivo. quero que saibas que estou aqui, ajoelhado. e que me queiras. e que a burka e a vergonha sejam apenas a alegoria para tu me querer mais. e não quero casar. nem te trazer pra minha casa. quero que tu esteja exatamente onde estás, encostado na árvore com a bermuda nos pés, seminu, convidando a mim e o mundo para estar entre as coisas que produzem arrepios. quero tudo que há em ti, e as pequenas canecas e os panos de prato, os bolos de pó debaixo da tua cama: quero tudo de ti, os sons de quando tu acorda e peida, o mijo espirando na água do vaso, o cuspe desnecessário para dizer que ocupa um mictório. quero tudo. danço e regojizo nas saliências da tua camiseta, que apontam para uma tristeza e que sei dúbia. tu não és infeliz; és apenas sozinho. verte de mim uma água morna radiante. piso no chão de madeira marchetada: levanta o taco secular, beija a árvore morta. sapateio em milhares de anos de seiva grossa. agora tenho uma dívida histórica com a natureza e preciso drenar qualquer coisa (seiva, saliva, lágrima, esperma) que me permita saldar o débito. pode ser qualquer secreção do corpo - mas terá de ser daquele que amo. a única breve informação que poderia dar a meu respeito, para qualquer marciano ou extraterrestre que aqui pousar, é que eu não extraio coisas de quem eu amo. eu produzo a partir do quem eu amo, eu monto e manufaturo o mundo junto de quem eu amo. não traga sua vergonha para habitar tudo isso que construí para mim e para quem eu amo (embora seja difícil e demorado dizer quem eu amo). se deus existisse, ele me quereria como seu embaixador. mas como ele não existe, continuo andando pelo canal de São João Del Rei achando-o lindo. mas como ele não existe, eu continuo bebendo cerveja até perder a noção de espaço (e cair de boca aleatoriamente). mas como ele não existe, eu permaneço na dúvida: com isso eu sou verdadeiramente mau? eu sou. sei que sou. suaves são as tintas pintadas por alguém que desconheço: não há coisa alguma de mim nelas. razão pela qual não penduro luminárias na minha casa. venha comigo e habite-me: invada e esteja-se: faça sua inteira adesão ao espaço que sou, às palavras que digo, ao cheiro que tenho: deite-se em mim: fale com minha língua, roçando nela: durma comigo. dormir é o ato mais puro. quede-se com sono. cheira-me o pescoço e durma. sinta-se livre para estar em minha presença. prove-me que não sou um monstro. ronq[...]
[...]vre-me desta baboseira que é viver. imagine você que hoje recebi uma "visita". [atente para as aspas, pois sempre que uso aspas eu quero dizer algo diferente do que digo. é uma suspensão de sentido.] a "visita" chegou, me encheu de conversinha sobre a mulher: "ela monitora meu celular", "ela quis separar porque recebi uma ligação de outra mulher", "ela decidiu que quer ter filhos", "eu preciso dar satisfações o tempo inteiro", "eu estou indo à academia todos os dias". acachapante para qualquer tesão, pois tive dificuldades de ereção. mas, de fato, ele estava bem melhor fisicamente que eu - meu corpo deformado em 2020 depois de 3 garrafas de vinho diárias entre sexta e domingo por longos meses de intensa tristeza devido a todas as decisões merda que tomei desde 2014. enfim, estou velho e gordo - eu diria "flácido", mas prefiro simplesmente dizer flácido mesmo porque não quero dizer nada diferente do que digo de mim mesmo. ele tirou primeiro a camiseta. ok, ótimo. mais conversinha: "ela fica mandando mensagens o tempo inteiro", "incomoda principalmente depois do horário comercial". [como deve ser chato ser incomodado depois do horário comercial, quando supostamente deveríamos apenas e tão somente descansar.] ele tirou a bermuda jeans. parabéns. [parece que andou malhando a perna.] começou a se tocar por sobre a cueca cinza de tecido sintético, marca Lupo. eu mandei tudo às favas e tirei a regata, abaixei a bermuda. tá tudo aí, meu filho, não se acanhe. ele discretamente abaixou a parte superior da cueca, mas não a tirou. seria um sinal de não ter gostado do que viu? sim, estou "flácido" e flácido, "gordo" e gordo. talvez tenha sido o "filminho" de DP hétero de rolando na televisão Qled da Samsung, 55 polegadas, que surtiu efeito em algum momento. perguntei se eu "poderia descer até lá". [são elegantes linguagens oitocentistas sobre práticas sexuais escusas.] cerca de 1 minuto depois de "chegar lá", ele diz: "melhor que mulher". pergunto-me agora se essa frase não deveria ser registrada na minha lápide e com as devidas aspas: "melhor que mulher". ou no meu obituário, no meu curriculum vitae. no meu cartão de visitas. "olá. sou 'melhor que mulher'", suspendendo o sentido, é claro. só duas vogais de diferença de uma palavra para outra, e todo o sentido muda. por que precisamos de aspas se um boquete revela toda a filosofia de linguagem necessária para viver?