Não te enganes....

E se eu te negar? Se eu te disser que chega, que não me basta, que nenhuma ruga vai represar meu ódio, que nenhum pau mole vai compadecer meu veredicto (muito pelo contrário, teu corpo é veredicto, ele diz de si). Haverá luta? Não creio. Porque nunca houve! Não há nada na tua acusação muda, nem na tua recusa em encarar meu corpo como algo digno. Ele não é algo digno. Se eu te negar, quem sofrerá será eu, e sei bem disso. É como se a materialidade da tua carne não existisse, não pesasse. Mas ela aí está! Haverá de negar? A negação parece tema recorrente entre nossos gozos. É que seus cabelos loiros e olhos desavisados me parecem presas fáceis. Ingênuo eu? Talvez sim, mas mereço tentar, pois já tentei uma vez e fui bem sucedido: porque o que quero é um beijo que me sugue, uma língua que me escaneie, um olhar que me faça digno de dizer “te admiro”. E não sou digno? Não para você talvez. O que me interessa é um roçar, um carinho, uma admiração sem ônus, sem nada em troca, sem toma-lá-dá-cá. É uma carícia, e não precisa ser uma noite, é apenas um descanso, a chance de ouvir um “que bonitinho” sem me sentir culpado por isso. Posso? Não há beleza no constrangimento. Se eu pudesse, eu atravessava o vidro, a grade. Se eu pudesse, eu atravessava as correntes que tu me impuseste. Somente pra te mostrar como são inúteis, como são ineficazes. Se tu soubesses quantos ônibus peguei sem tua autorização... É que tua autorização, como qualquer outra, é um título vergonhoso para mim. Jamais haverei de ostentá-la, mesmo que ela existisse. Tua prepotência existe mais tranquilamente se tu te esqueces do quanto tu és pequeno.

A décima terceira casa

Às vezes o céu vem tão depressa... É a hora de piscar os olhos, se ainda olhos tivermos. Disseram pra mim que é impossível, gramaticalmente, que alguém “amanheça”: ninguém “amanhece”, me contaram, o correto seria dizer que “vemos o dia amanhecer”. Que triste é acreditar que não se pode amanhecer (nem anoitecer, nem madrugar; como podemos negar que em determinados momentos nós alvorecemos?). É que de um modo geral nós não gostamos de nos saber descobertos pela manhã, tarde ou noite. É como se considerássemo-nos atemporais: o corpo não pode ter tempo. Que mal há no pôr-do-sol do corpo?

Entre o dito e o não-dito, há mais do que o silêncio, mais do que a tagarelice. Cada um diz tudo o que pode dizer, vê tudo o que pode ver. O que não significa que tudo que pode ser visto ou dito se reduz àquilo que nós vemos e dizemos. A curiosidade, a dúvida, a insatisfação, o descaminho: todos conduzem à décima terceira casa. Ela não é a casa do mistério, isso porque não priva ninguém de saber o que nela existe, porque não recolhe ao seu abrigo algo a esconder ou a dissimular; tampouco é a casa do etéreo, do intangível e do metafísico. A décima terceira casa é a casa daquilo que extrapola o dizível e o visível e, por isso, é também a casa do tempo, do tempo do corpo.