[...]ez em que eu gritei e cuspi em ti. nunca pedi desculpas por isso, mas peço agora. de boas. entendo... mas acho importante de dizer que eu suportei muita coisa e me impedi de dizer e fazer muita coisa por ti, para ti. eu sabia que tu não era apaixonado por mim, mas eu era. e eu assumi que era e vivi essa paixão no lugar e tempo que podia. o fato de eu não poder te ligar, mandar mensagem, encontrar pro chimarrão; de não poder fazer cobranças por ciúmes, de não poder chorar na tua frente de saudade; de não fazer planos de viagens de verão; de não dividir a mesa, o vinho, o enxaguante bucal; de não poder te convidar para o banho; de não poder adormecer do teu lado e nem demandar que isso acontecesse: foi tudo uma grande lição. dominar um sentimento tão selvagem não é para amadores. os meus shows dramáticos de puro enamoramento, eu os fiz em casa, a sós. houve uma vez em que chorei observando o fogão - tão somente o fogão no escuro já era o suficiente para me fazer chorar por ti, de falta de ti, de saudade de ti, de esperança de ti: desesperando de ti. penso hoje que não queria que alguém me visse chorando em frente a um fogão no escuro. e durou uns seis anos. e até hoje eu considero que essa foi minha única paixão; nunca mais senti isso por outra pessoa. não é algo do qual tu deva te orgulhar e, certamente, nem eu. até que um dia as coisas fazem sentido, ou os sentidos fazem as coisas. num certo ponto algo se encaixa, se adere. e todo o resto se organiza. não é algo racional, do tipo "agora eu entendi tudo". eu não consigo explicar por que razão a vida parece menos pesada agora - esse é o sentido. não é um paraquedista que cai na consciência. é só um brilho morno que sinto emanando das coisas. não é minha salvação, também. minha vida vai continuar sendo meio merda. acho que nunca vou conseguir comprar minha própria casa. acho que nunca vou me apaixonar como eu me apaixonei por ti. talvez seja por isso que, hoje, eu esteja apaixonado pela paixão que senti por ti: desejando-a, fantasiando-a, desesperando por ela. de fato, a paixão que senti por ti não fazia nenhum sentido, e mesmo assim eu sentia um brilho emanando das coisas... hoje, porém, vejo uma luz opaca porém constante de mim a ti, de ti a mim. uma cumplicidade de quem soube o que houve, fala sobre isso se for necessário, mas respeita o silêncio geral que paira sobre essa memória. te quero sempre per[...]