A décima terceira casa

Às vezes o céu vem tão depressa... É a hora de piscar os olhos, se ainda olhos tivermos. Disseram pra mim que é impossível, gramaticalmente, que alguém “amanheça”: ninguém “amanhece”, me contaram, o correto seria dizer que “vemos o dia amanhecer”. Que triste é acreditar que não se pode amanhecer (nem anoitecer, nem madrugar; como podemos negar que em determinados momentos nós alvorecemos?). É que de um modo geral nós não gostamos de nos saber descobertos pela manhã, tarde ou noite. É como se considerássemo-nos atemporais: o corpo não pode ter tempo. Que mal há no pôr-do-sol do corpo?

Entre o dito e o não-dito, há mais do que o silêncio, mais do que a tagarelice. Cada um diz tudo o que pode dizer, vê tudo o que pode ver. O que não significa que tudo que pode ser visto ou dito se reduz àquilo que nós vemos e dizemos. A curiosidade, a dúvida, a insatisfação, o descaminho: todos conduzem à décima terceira casa. Ela não é a casa do mistério, isso porque não priva ninguém de saber o que nela existe, porque não recolhe ao seu abrigo algo a esconder ou a dissimular; tampouco é a casa do etéreo, do intangível e do metafísico. A décima terceira casa é a casa daquilo que extrapola o dizível e o visível e, por isso, é também a casa do tempo, do tempo do corpo.