Nu em pelo

Será mesmo que eu tenho que lhe dar a notícia pessoalmente? Pensei talvez numa carta, que não é tão fria quanto um e-mail e nem tão calorosa quanto um papo olho-no-olho. Talvez por intermédio de amigos – mas não há motivos pra envolver outras pessoas nisso. Teria de ser nu em pelo.

Pois foi justamente contra um pelo que lutei nos últimos cinco dias. Eu o via ali, num lado ligeiramente à direita do meu nariz. Reconheci-o de primeira: um ponto preto me desafiando bem na superfície da pele. Sabia desde sempre que não se tratava de um cravo, já que eu conhecia todos os que se deitavam no meu rosto. E sua cor era diferente da dos cravos, era um preto profundo, acetinado, garboso. Eu o via ali, tentei tirá-lo com uma pinça, mas só consegui rasgar minha pele de tanto insistir. Pensei em estratégias: talvez depois de um banho quente; talvez com uma nova pinça; talvez deixando o pelo crescer alguns dias mais; talvez promovendo uma pequena intervenção ambulatorial no meu próprio banheiro... E assim se passaram cinco dias sem que eu conseguisse arrancá-lo do meu nariz.

Quando eu finalmente consegui (empurrando um pouco meu nariz pra cima, contra a raiz do pelo, de modo que ele se projetasse pra fora da pele para, então, eu conseguir pinçá-lo e arremessá-lo pra fora das minhas fronteiras), suspirei: “sou uma nova pessoa”. E sou mesmo. Porque às vezes é pequeno, é quase discreto, é sutil, diriam que imperceptível. Acontece que me incomoda, me estranha, me faz outro que não me reconheço, habita uma parte do meu corpo e da minha vida que eu não quero que seja habitada por ele – ele, o pelo. Mas é difícil de tirar, e não sairá a força, só sairá com um “jeitinho. E quando sai, nossa: me renovo inteiro.

Daí volto a me perguntar: será que vou ter que informá-lo pessoalmente, com pinça e tudo, dando um “jeitinho”? Tudo bem que alguns nem percebam que ele está ali, que alguns o achem sutil e discreto. Mas me incomoda e começa a habitar partes da minha vida que não são da sua responsabilidade. Ele começa a querer me cobrir, me esconder, me vestir, me calçar... E eu quero continuar nu em pelo.