Sinto assim: sem grandes movimentos possíveis. Nem pequenos. Nem poucos. Um cruzar de pernas já seria o suficiente, e não posso. Sinto perseguição e abandono. Os que me perseguem não são os mesmos que me abandonam, e os que me abandonam apoiam aqueles que me perseguem. Todos querem me exterminar: uns pela caça, outros pelo esquecimento. Que cruzada de pernas seria suficiente para alguém tão sufocado driblar seu egocentrismo? Periculosidade, agressividade, longas faixas inúteis da mesma cor pálida, satanismo, maledicência, vergonha, cansaço, micro-humilhações disfarçadas no sorriso cínico amarelado, palidez, solidão, revolta, rebeldia, pequenas noites frias de pura e intensa vontade de desaparecer. Eis aí aqueles que me perseguem e que conseguem me exterminar: velam por mim nas pequenas e sucessivas noites frias, puxando meus cabelos quando quase adormeço, gritando nos meus ouvidos quando quase sonho. Fazem com que eu sinta vontade de desaparecer, de me exterminar. Do que eu falo, então, quando cito e sinto perseguição, abandono, extermínio, desaparecimento? Uma abordagem, uma amostragem da morte. Um mundo triste, enfim, do qual saio quando durmo (e se durmo), quando desmaio, quando procrastino. Um mundo duro e infértil onde sementes apodrecem. Paralisado perante sementes natimortas e árvores de folhas secas.