[...]stico frouxo da cueca, desbeiçada. a circunferência que não parava de arredondar, de absorver as coisas do mundo, todas as coisas do mundo, como se fossem feitas ou dirigidas a ele. um imã em vida atraindo para os cantos das unhas cortadas rente à carne o peso e o quilate dos olhares seguidos de silêncio. o profundo desprezo de quem o conheceu, grudado nos fios que separam unha de carne. dois cortes nos dedos, no indicador esquerdo e no mindinho direito, cujas cicatrizes, embora discretas e já bem fechadas, apenas dissimulavam o abismo de dentro que caía fundo, como falésia, na neve e na língua inglesa que ele deixou pra trás. mas não as esqueceu. ainda borbulhavam às vezes, vertendo pelas mãos: a doçura politicamente correta dos canadenses. que saudade. sonhava em voltar. e poderia? teria idade? seria um bom candidato à migração? contribuiria para o país tanto quanto ou o máximo que pudesse, agudo ou crônico, simbolicamente retribuindo ao país e à cultura aquilo que lhe proporcionaram? que nenhuma cicatriz seja capaz de apaziguar isso, de acalmar esse desejo. triste. sozinho em casa, de cueca. sonhando com o que fervia nas fendas das cicatrizes, arrastando os quilates de desprezo entre as unhas. respeitoso do tempo e dos corpos dos outros, ele era. mas não dos seus. nunca quis ser deste mundo. nunca quis estar aqui num corpo. mas estava, e se perguntava se haveria outro ou outros mundos nos quais poderia ou deveria estar. e se perguntava se já não estaria, naquele preciso momento, existindo de outra forma em outro mundo. não num mundo novo, não numa nova vida: apenas em outras condições, em outras linguagens e comunicações, em outras coisas que não o orgânico, o carbônico, o fisiológico. se, num outro mundo, não houvesse palavras, ele ainda estaria triste? ainda usaria cueca desbeiçada? ainda cortaria rente à carne as unh[...]