Deixe que as estações comecem

Meu primeiro nome é Luiz. Com ‘z’. Sou feito de coisas tolas, coisas poucas que foram se justapondo durante vinte e cinco anos, coisas tolas e poucas que foram acumulando como pó e aqui ficaram, a pesar para baixo, formando uma gota. Como, por exemplo, a letra ‘z’ do meu primeiro nome, que é uma tolice. A letra ‘z’ ou a letra ‘s’, a priori, não fariam nenhuma diferença para que eu me apresentasse, mas de qualquer modo todo um processo administrativo foi levado a efeito junto ao cartório em que fui registrado para que se trocasse a letra ‘s’ do primeiro registro do meu nome – o escrivão tinha uma personalidade forte e não deixara que eu fosse Lui’z’ – para transformar-se na letra ‘z’. Te convido para analisar a forma destas duas letras: ‘s’ é suave e curvilíneo, é uma dança no papel e nos dedos de quem escreve, é um caminho sinuoso. ‘S’inuoso. A letra ‘z’ radicaliza as dobras do ‘s’ e cria ângulos onde antes havia curvas. Radicali’z’a. Como disse Deleuze: “Z é uma letra formidável que nos faz voltar ao A”. Ele explica que ‘z’ é o movimento brusco, angular, que deveria preceder ou substituir o Big Bang. “Você gosta de ter um Z no seu nome?”, pergunta a entrevistadora. “Adoro!”, responde o velho com longas unhas.

Eu também adoro ser Lui’z’. Mas não me incomodaria em ser Lui’s’. Me pergunto, e acho que isso é importante para ti, que não me conhece, se eu seria fundamentalmente diferente se eu fosse curvilíneo. Se eu chegasse numa noite toda negra, em que corpos interagissem e se lambessem publicamente, ou se eu me insinuasse pelos bosques, pelas matas, pelos matos e pelos parques noturnamente, individualmente (eu e os outros corpos, individuais), se eu bebesse e se eu me deleitasse, se eu gastasse o tempo e o dinheiro que tenho e que não tenho, se eu me vestisse e ainda assim me envergonhasse do meu corpo, se eu tentasse e sofresse, se eu tentasse e não conseguisse, se eu fosse o que não sou... Eu seria o quê?

Não sei, mas definitivamente eu não seria Lui’z’. Viste quantos ‘s’ constam no parágrafo acima? Demasiados ‘s’. E eu não sou ‘s’, sou ‘z’, sou Luiz com ‘z’. Eu vou seguindo por um caminho que muda bruscamente, para outro lado. Não me curvo, não 's'uavizo. É o choque que o ‘z’ causa na escrita do meu nome que me permite chegar a dizer “eu sou”.

Mas, como eu dizia, sou feito de coisas tolas e poucas. De todo modo, coisas que foram criando tensão sobre a superfície do meu corpo e, então, chegaram ao ponto de dizer “tu és lui’z’”. Não sou eu quem diz, e sim as coisas que me fazem ser quem sou. Tu te interessas por isso? Não sei bem em que momento comecei a te admirar, a te erotizar ou a te desejar. Acho que o verbo é exatamente esse: desejar. De’s’ejar, porque o que sinto vem em curvas, em intensidades de onda, em movimentos curvilíneos por ti. Não sei se é teu nariz em ‘z’, ou teus olhos negros profundos – de cigano? Oblíquo? Dissimulado? – ou se sou eu que me engano. Aposto no meu engano e gosto de acreditar na beleza dos ângulos do teu nariz, de noventa graus, cento e oitenta, nariz de triângulo, de Báskara. Eu ouço uma música que me faz lembrar muito do teu nariz, mas também dos teus olhos e sobretudo das tuas mãos. Oh!, tuas mãos me apaixonaram por primeiro. Quando elevaste teus braços à altura dos ombros, eles em arco na frente de teu rosto, as mãos em frente aos teus olhos – negros, buraco-negro – e os dedos indicadores (direito e esquerdo) encontraram os polegares com uma suavidade que os impediam de se tocar, me apaixonei. Posição de balé clássico. E uns dedos longos, uns dedos alvos, umas unhas bem cortadas, opacas. Dois olhos de buraco-negro entre um nariz triangular e protuberante. E sorriste.

Teu corpo dançou em ziguezague. A letra ‘z’ em teu corpo e a letra ‘z’ no meu nome. E é impossível que não tenhamos nada a viver um com o outro. Talvez tu com o meu corpo, e eu com teu nome.