Gestos reticentes e olhares curvos

Ou sobre como relacionar-se com o desprezo alheio. Não foi algo que eu já não esperasse, que eu não contasse, que já não estivesse numa borda de possíveis e previsíveis. Desejei-o, é bem verdade, desejei-o para mim como desejo um beijo e uma sexta-feira. Gestos reticentes porque vazios, mas não totalmente vazios. Essa sua reticência é perversa exatamente porque carrega em si tanto o peso mais sincero quanto a nada, o absoluto nada. Gestos reticentes porque vazios, mas ainda com resquícios. Talvez fosse o caso de falar em gestos de resquícios. Tencionei me agarrar nos resquícios, nas reticências, os longos braços e pernas de pele alvíssima. Da sacada do meu apartamento eu podia ver as veias por debaixo da tez. Translúcido. Mas não insípido. Os olhos azuis. Ou seriam verdes? Vê? Já não lembro sequer da cor do teu desprezo.

E por falar neles, ah! Olhar com curvas. Nem pelo espelho eu te supus linear. Acho que errei, desculpe. Se errei, não há desprezo. Só há engano: enganei-me sobre teus gestos e teus olhares. Pois aí está! Olhar curvo, dissimulado. Não me guarde mal, sou apenas um espírito jovem e casmurro, mesmo não tendo avançada idade.