Entendo... às vezes sinto que sim. Outras, já não sei. Dar um passo para fora da pele, olhar-se ao revés. Concordo. Mas não é sempre que podemos. Há momentos em que simplesmente não temos como dar um passo. Não, não estou falando de deixar a vida nos levar. Estou falando de fazermos vida, de fazermos a nossa vida, de estar onde é preciso estar: precisamente onde estamos agora. Exato! Há aqui vida para ser feita? Sempre há, pois estamos aqui. Não apenas isso: mas também a manga solta da camiseta, o cós folgado da calça. Um corpo que se esvai, fino, pela bainha italiana de alfaiataria. Uma pele toda artificial. Uma paranoia dérmica: supondo sempre outra pele por debaixo desta, por vir. Isso, e mais aquilo tudo que falávamos antes: corpo, ética, todos os sorrisos do mundo voltados para ele. E novamente aquilo que falávamos recém: há aqui vida para ser feita, neste lugar onde todos os sorrisos do mundo secaram? Compreendo, mas discordo. Escuto, mas renego. Nenhuma serenata pós-coito me convencerá de que não há um lado B daquela história. Há uma versão pouco conhecida, não autorizada, de todos os fatos - como se fossem anti-fatos, des-fatos. Um silêncio grosso por entre aqueles pelos e do avesso da carne. É ali que preciso chegar, ali está a bagunça e a resposta para tudo que cai no vácuo. Revivo pelo por pelo o que já houve e estranho desde o início. Amanhã, a essas horas, estarei no céu. Afastarei-me, mas voltarei pra casa em seguida. Desde agora desejo não ir. Desde agora desejo que as asas derretam ao chegarem perto do sol. Quero rapidamente estar de volta em tudo aquilo que um dia não mais me pertencerá. Por quê? Por mais que argumentes, nunca houve escapatória: sempre estive por perto. Nunca te abandonei. Jamais te deixei e sempre procurei por ti. Repetindo ipsis literis todos os pelos e pênis. Na distância jamais existiu realmente uma separação. Eu poderia fazer um boneco, um pequeno fantoche dos restos retalhados dos corpos onde te busquei: serias tu, inteiramente tu, ninguém perceberia que jaz em outro lugar senão nesse corpo remendado com trechos de outros onde acreditei te achar. E fugias de mim. Pelas mangas soltas das camisetas, pelo cós folgado das calças. Eu compreendo, eu compreendo... Mas eu serei outro, invariavelmente. Essa pele na qual tocas, essa pele pelada, dela eu já pisei fora. Vejo-me pelo revés. Se tu te repetes nos corpos, eu estou fora do meu.