Escatologias indizíveis

Sentei no vaso sanitário e senti uma satisfação irrefutável. Entrei no elevador e precisei soltar um: alegria desconcertante. Feitas de pequenos prazeres, as escatologias indizíveis dessa minha vida de doente incurável se rebuscou com momentos de silêncio constrangedor em torno dos fluidos, gases, secreções e excrementos que meu corpo processava. Havia horas de vergonha profunda, quando eu ainda andava, quando eu ainda falava, e as outras pessoas ainda poderiam objetar que era falta de educação, insensibilidade e indelicadeza arrotar no restaurante depois do primeiro copo de cevada. Mas depois que me foi negada a possibilidade de usar meu corpo como todos os demais usam (para andar elegantemente, para sorrir de um modo polido, para cumprimentar, beijar e dançar), decidi, então, usá-lo como todos os demais jamais gostariam de fazer. Por experimentar umas outras experiências corpóreas. Comecei soltando gases, freneticamente um em seguida do outro, debaixo dos lençois e dos cobertores. Ninguém percebia até que algum movimento dos tecidos deixasse escapar alguns centímetros cúbicos do ar pesado que por baixo me esquentava – de fato, essa estratégia me foi útil nos dias de inverno rigoroso. A defecação também foi bastante proveitosa: a pressão do bolo fecal na última porção do intestino misturava uma certa ansiedade com a alegria do descarrego, da liberação. Sentir as fezes ultrapassando o corpo, tensionando o corpo, sentir o corpo expulsando as fezes é mais do que o último movimento da digestão. É um exercício de desapego, já que passei a não mais me preocupar com o cheiro, nem com os vestígios que isso deixa. O vômito também foi bem-vindo, mas exigiu maior maturidade, pois é exatamente o inverso da defecação. Precisei entender que às vezes é fazendo o caminho inverso que posso me sentir mais leve. Assim foi com o suor e com o hálito. Também com a urina. E não me preocupei com limpeza, pois pra mim tornou-se importante apenas a limpeza do meu corpo a contar da pele para dentro, e não da pele para fora. Da pele para fora, a limpeza do meu corpo só interessa a quem comigo está. Da pele para dentro, ela só interessa a mim mesmo. Resolvi deixar de atentar para o que os outros diziam sobre meu corpo. Da pele para dentro, meu corpo estava leve, mesmo tendo sido privado dos gracejos mais comuns e dos galanteios mais sedutores. Gracejos e galanteios são da pele para fora, e da pele para fora não há limpeza possível de apagar as marcas dos nossas escatologias.