Não é mais fácil lidar com um vibrador que com um homem “inteiro”?

- E há dor nessa experiência?

- Há dor em toda a experiência, inclusive nessa. Tenho me empenhado na tentativa de estilhaçar o corpo. Porque sei que ele não funciona mais como um estado geral, como uma gestalt. Não há mais as partes que, se somadas, excedem o todo. O que há agora são partes, e as partes dizem de si próprias. Ainda não conseguimos ir a fundo pra escavar as ligações, as bases, as condições e as verdades que contribuem pra essa repartição do corpo. Mas sabemos que estamos recortados, separados da nossa integralidade. Não que essa integralidade tenha existido em algum lugar do passado... Mas sugerimos que há algo de utilitarista na relação do corpo com suas partes separadas. Não é mais fácil lidar com um vibrador que com um homem “inteiro”? Não é mais fácil lidar com uma vagina de plástico que com uma mulher “total”? Esses são apenas alguns toscos exemplos de como é preferível reduzir e simplificar a aumentar e complexificar. Porque sabemos que a redução do corpo de “homem” ao pênis não é tão simples – um homem não se resume ao seu pênis; no entanto parece ser tudo aquilo que o define, e assim também funciona para a mulher. Mas é óbvio que não é só essa característica corpórea de nos define e nos fixa, até porque a definição e fixação do que é um pênis ou um clitóris não parece tão clara. Há outras definições que nos são importantes, há outras medidas que nos fixam, e que junto com o gênero vão nos fazendo ser quem somos. Se eu pudesse estender a mão e pegar em todos os homens que excitam, eu não estaria aqui te dando este entrevista. E eu não posso. O corpo vai se comunicando com outros corpos, e alguns deles são colocados como impossíveis dentro do possível – porque todo corpo que existe em sua materialidade é possível –, e daí se forma essa gosma pegajosa que se insinua pelo ventre e pelo peito. O suor também desempenha seu papel aglutinador nesses casos. E nós ficamos sem nenhuma “aderência” a esses status. Porque nosso corpo se comunica – troca informações, permuta e comuta – não pelo peito nem pelo abdome, mas pelo rosto e pelos olhos, ás vezes pelas pernas. Sempre pelos cabelos.

- E tem tido sucesso?

- Não (risos).

- Isso não te dói?

- Doía há um tempo atrás. Hoje parece mais uma condição. Porque quando fiz 25 muita coisa pareceu mudar nessa concretude que é meu corpo: pelos começaram a nascer no nariz – na sua superfície e dentro das narinas, se confundindo com a barba – pelos começaram a nascer nas orelhas. Quando fiz 26 minha barriga começou a exceder minhas calças. Com 27 eu quis morrer, e com 28 eu me sabia uma bosta. Com trinta vi alguma luz possível, mas com 33 nem a cruz me salvou. O tempo não cura, o tempo agrava. E vamos nos insinuando pra ele, com dor e com delícia, esperando um arrego: toma uma brochada na cara! Toma uma miopia! Uma calvície! Uma gordura, uma sinusite! Porque isso é o tempo correndo pelo corpo, mas também é a história marcando o corpo. Porque nosso corpo diz da nossa história. Está tudo gravado ali. Há uma delícia na superfície das minhas mãos que não sei bem como descrever... Talvez seja essa a experiência mais gratificante: a de me perceber envelhecendo e me saber melhor que quando mais novo. De sentir minhas mãos ásperas onde antes reinava a ingenuidade.