Insônia

Eu tinha insônia quando criança, mas aquela insônia que te arrasta do sono. Não aquela que te arranca do sono. Eu demorava pra dormir... Naquela noite, como em poucas outras, eu fui dormir bem cedo, esperando pela insônia. Porque eu queria chegar nas minhas festas pessoais bem cedo e tarde deixá-las: eu tinha um enredo contigo. Essa mentira grande, essa simulação que eu faço, ela não é uma ameaça, ela não dói nem machuca. Eu vou dando de comer pra minha fantasia, vou incrementando-a, dando corpo a ela – não o meu corpo, mas também ele e outros mais conforme minha fome. Por anos, quando eu era mais ingênuo, isso tudo deu caldo pras horas que eu passava me engalfinhando com os lençóis antes de dormir. Hoje isso me acalenta e me distrai porque sei que o mundo que eu preciso desbravar a cada dia não é aquele das minhas fantasias, mas aquele dos meus medos. Era bonito o meu olhar, sincero: mas eu descobri a mentira e a falácia. Pude continuar a crer em tudo aquilo que fazia minhas festas pessoais, mas o sabor forte da crença de que todas elas poderiam ser verdade foi substituído pelo álcool. Hoje eu creio mais no álcool que nas minhas fantasias. E elas são tão bonitas... Quem se importa. Fato é que comprei uma cama cara, e meus travesseiros são muito confortáveis. Até meus lençóis, onde volta-e-meia me engalfinho, são de linho 300 fios. É que queimei minha mão fritando um ovo: coisa mais cotidiana e real possível. É demais pra mim, muita realidade. Eu preciso de um lugar confortável onde ter minha insônia.