eu simplesmente não posso mais pagar pelo serviço. eu sinto muito, mas essa asserção é franca e direta. sim, é provável que se trate de uma forte recusa em narrar tudo que há de errado, de equivocado ou de sofrido. eu não me importo de me recusar a falar do meu sofrimento. eu me importo em falar do meu sofrimento sem ter condições de pagar para que alguém me ouça. e mesmo que eu não me importasse, não é de todo impossível que outros gatilhos (conversações mínimas, insights durante tomar banho ou ao dirigir na estrada) me permitam, com certo atraso, entender o que no mundo há de mim, e o que desejo do mundo e se desejo algo whatsoever. há uma revolta fundamental: gostaria de continuar falando dos meus equívocos. não para corrigi-los, não para passar a acertar; porque são o que há de mais meu, de mais sinceramente eu. minhas fendas, meus pedaços de história mal dobrados, meus tecidos amarrotados de memória. é claro: será um espaço a menos no qual eu tenho a chance de recontar os vários modos pelos quais cheguei até aqui hoje e assim. porque, no final dos contas, é só disto que se trata: testemunhar a própria vida, reconhecer-me como aquele que caminha (e não aquele que domina o caminho). não insista, por favor; um ser caminhante tem dificuldades com o divã. ainda sobre a recusa, sobre a resistência, penso que funciona como uma moratória: assumo, não nego, resolvo quando puder. talvez neste momento eu precise caminhar um pouco mais. não insista.