[...]vre-me desta baboseira que é viver. imagine você que hoje recebi uma "visita". [atente para as aspas, pois sempre que uso aspas eu quero dizer algo diferente do que digo. é uma suspensão de sentido.] a "visita" chegou, me encheu de conversinha sobre a mulher: "ela monitora meu celular", "ela quis separar porque recebi uma ligação de outra mulher", "ela decidiu que quer ter filhos", "eu preciso dar satisfações o tempo inteiro", "eu estou indo à academia todos os dias". acachapante para qualquer tesão, pois tive dificuldades de ereção. mas, de fato, ele estava bem melhor fisicamente que eu - meu corpo deformado em 2020 depois de 3 garrafas de vinho diárias entre sexta e domingo por longos meses de intensa tristeza devido a todas as decisões merda que tomei desde 2014. enfim, estou velho e gordo - eu diria "flácido", mas prefiro simplesmente dizer flácido mesmo porque não quero dizer nada diferente do que digo de mim mesmo. ele tirou primeiro a camiseta. ok, ótimo. mais conversinha: "ela fica mandando mensagens o tempo inteiro", "incomoda principalmente depois do horário comercial". [como deve ser chato ser incomodado depois do horário comercial, quando supostamente deveríamos apenas e tão somente descansar.] ele tirou a bermuda jeans. parabéns. [parece que andou malhando a perna.] começou a se tocar por sobre a cueca cinza de tecido sintético, marca Lupo. eu mandei tudo às favas e tirei a regata, abaixei a bermuda. tá tudo aí, meu filho, não se acanhe. ele discretamente abaixou a parte superior da cueca, mas não a tirou. seria um sinal de não ter gostado do que viu? sim, estou "flácido" e flácido, "gordo" e gordo. talvez tenha sido o "filminho" de DP hétero de rolando na televisão Qled da Samsung, 55 polegadas, que surtiu efeito em algum momento. perguntei se eu "poderia descer até lá". [são elegantes linguagens oitocentistas sobre práticas sexuais escusas.] cerca de 1 minuto depois de "chegar lá", ele diz: "melhor que mulher". pergunto-me agora se essa frase não deveria ser registrada na minha lápide e com as devidas aspas: "melhor que mulher". ou no meu obituário, no meu curriculum vitae. no meu cartão de visitas. "olá. sou 'melhor que mulher'", suspendendo o sentido, é claro. só duas vogais de diferença de uma palavra para outra, e todo o sentido muda. por que precisamos de aspas se um boquete revela toda a filosofia de linguagem necessária para viver?