[...]á conseguia lidar com o silêncio do apartamento, com a luz apagada para dormir. permanecia, porém, como ghost que não desaparece, a lembrança do homem. a inquietação do domingo nublado o empurrou para as calçadas. talvez caminhando a dor drenasse: o ralo por onde escoava era na boca do seu estômago. andou e chorou em uma porção nordestina de são paulo. deixou traços de lágrimas na piauí, maranhão, alagoas. nina simone o acolheu: o homem precisava dele. fantasiava que, ao retornar para casa, o homem estaria à sua espera na portaria do seu prédio. na tentativa de expulsar esse delírio, caminhou durante três horas por quatro bairros diferentes. enxergava o homem por de trás de cada arbusto, em todas as janelas dos prédios, saindo de carro das garagens abertas. passava os olhos em todas as mesas dos botecos, em todas as filas de espera dos restaurantes, desesperando encontrar o homem. percebeu que, mesmo já sabendo lidar com o silêncio e com o escuro, buscava o homem, queria estar em face do homem. não tentava escapar; circulava pela cidade com o intuito de encontrá-lo. não fugia; ia em seu encalço. e passou a assumir para si que, sim, queria olhar nos olhos do homem e suplicar, como no pôster do filme "lua de fel". era tarde para isso, e fora de moda também. mas se pudesse, se lhe fosse dada essa chance, ele não teria pudores em implorar. só mais um toque na barba, no cabelo; só mais um beijo na orelha; só mais uma risada com uma taça de vinho compartilhada. só mais uma companhia do seu ghost preferido.