[...]scongelou e derreteu. escorreu pelo chão, desceu o ralo da área de serviço. (lembrar de jogar água fervente no ralo da área de serviço, pois as mosquinhas já se acumulam na parede de azulejo.) não só de choro, de lágrima, de suor pela angústia de ficar sozinho no seu apartamento de quarenta metros quadrados com vista pra um paredão, voltado pro sul. não só de mijo que desceu suas pernas sem aviso porque tinha tomado três garrafas de vinho e caiu desmaiado na cozinha num quase coma alcoólico. não só. a coisa fria que ele era havia se desprendido de um grande continente. estava à deriva, se movendo em alto mar, em direção aos trópicos: a coisa fria que era (não esquecer de descongelar a geladeira medieval que foi alugada como mobília do apartamento.) (lembrar de comprar um bolo para o porteiro da madrugada, que o havia socorrido numa das madrugadas em que desesperou lembrando do outro, que conversou durante duas horas no saguão do prédio dizendo que tudo ia ficar bem e que deus aceita todos.) (não esquecer de retomar os exercícios de mindfullness na sacada.) o grande bloco de gelo se aproximava do paralelo 33. e ele se dissolvia no calor da palpitação em fantasiar que o outro, àquela altura, sequer lembrava do seu nome, do seu rosto, dos trechos de vida que lhe havia contado. ele estalava e craquelava e despencava em blocos que submergiam em alto mar, provocando ondas, na arritmia do coração crente de que o outro bebia e beijava e fodia e gozava e bebia e beijava com porra e gozava porque beijava com porra outros homens - que não ele. (lembrar de bater punheta, quando puder.) mesmo assim se movia, ia em direção aos trópicos, derretendo. ia ao encontro de algo que o outro arrancara nele. e convidava o outro pra ir junto, ou pra habitar o trópico quando ele lá chegasse. e se restasse algo desse pedaço congelado que ele era, se algo de frio ainda boiasse no mar dos trópicos que pudesse ser pego com a mão, queria que a mão que o pegasse fosse a do outro. aquela mão que o explorara. (não esquecer de fazer três séries de vinte abdominais-bicicleta pra esquerda e pra direita, diariamente.) (lembrar de jogar no tanque as cervejas guardadas.) o outro o havia deixado. o outro desembarcou dele. algo se incompatibilizou entre os dois. foi a pergunta sobre "o quê?" que o separou do grande continente. o outro talvez soubesse a resposta, de pronto. ele não sabia. porque pra ele o bloco de gelo ainda era um cont[...]