hoje meu coração disparou PARTE II - alínea c

 [...]sseram que cê é viado. por mim tudo bem", me conta agora a Pequena. os amigos que fizeram o churrasco foram gentis, segundo ela, e quiseram apenas colocar em pratos limpos algo que estava difícil de engolir. mastigavam, assavam, fritavam, cortavam com a faca, mas era de difícil deglutição, o sabor era amargo. nossos amigos em comum tinham me conhecido ficando com homens, nunca tinham visto a Pequena com outras mulheres (embora ela tivesse tido uma história lésbica com uma colega de faculdade por dois anos [algo que somente eu, a colega e a própria Pequena sabiam, parecia que a Pequena tinha vergonha disso.], era um segredo), menos ainda com um homem viado. nossos amigos em comum têm pouco em comum conosco. serviram pra nos apresentar um ao outro. mas agora deixam de fazer sentido. há 3 meses eu estou conhecendo a Pequena, 3 meses desde o churrasco em dia nublado com cerveja, cachaça e maconha; há 3 meses me desloco pelo seu corpo cheio de curvas e derrapo. ela parece gostar ou, pelo menos, não se importar. há 3 meses nossos amigos incomuns fazem comentários jocosos sobre o homem que sou. e sou um homem. pararam de nos convidar para encontrar nos finais de semana. alegam que estão se resguardando das novas ondas da pandemia e de todas as variantes do vírus. o único vírus variável é a escrotidão, com o qual eles já se contaminaram. há 3 meses meu pinto branquelo broxou, esse pintinho murcho, mas a Pequena pediu pra eu dormir de conchinha naquela noite. e fiquei. na manhã seguinte, acordei de ressaca. ela estava pior. eu deitei de barriga pra cima na cama, nu; ela pôs a perna esquerda sobre as minhas e encostou a cabeça no meu peito. seu cabelo feito árvore frondosa cheirava a lavanda e... um pouco de baunilha. fiz carinho naquela cabeleira macia e cheirosa. ela veio pra mais perto de mim, e eu a apertei contra meu tórax. ela murmurou algo, e eu pedi ao senhor (sou ateu [nessas horas recorro até a Buda se necessário], mas que há uma energia que corre entre os corpos, há!) que meu pintinho branquelo ficasse duro. ela me deu uns beijos no queixo e mordiscou meu mamilo. duro, ufa, pelo menos em processo de endurecimento, o que já é um ganho. nos beijamos, e parecia que tínhamos mil línguas. ela apertava minha bunda. eu gostava. eu apertava seus peitos. ela gostava. a cor marrom da sua pele fulgurava, emitia faíscas quando o sol da manhã entrava pela fresta janela e a tocava. eu preciso de beijos pra endurecer, de línguas, de mil línguas, e de mil faíscas feito fogos de artifício; disto é feito meu pintinho branquelo: beijos, línguas, faíscas e sol. até que a Pequena se virou na cama, abriu as pernas e demandou "me chupa". eu vacilei: "eita", pensei. encarei a Pequena. ela agarrou meus cabelos "vou te dizendo como". ela com a cabeça entre os travesseiros, de barriga pra cima, pernas abertas; eu fui lambendo os peitos dela, a barriga dela, até que cheguei lá e ouvi um "oi, mané, você é novo por aqui". aquela protuberância rosa, cheia da força feminina, parecia muito segura de si. "oi, beleza? ahn... sim, cheguei hoje. ontem, na verdade, mas acabamos dormindo e", "sei, mais um broxa?", "não exatamente, é quê", "olha, queridinho, faz teu corre. compra maca peruana, toma guaraná, cialis, faz injeção de hormônio pra cavalo", "sim senhora, perfeitamente, senhora, é quê", "não precisa ser grande, não, até ajuda, mas a questão é se entregar, entende?, investir, gostar de estar por aqui", "claro, entendo, é sobre isso quê", "nos trate bem, esteja conosco, quando estiver comigo você está também com ela, você gosta de mim? aqui na ponta e nas beiradas é onde me espalho, é onde me arrepio", "ah, certo, na ponta e nas bordas, obrigado, senhora, é quê", "nós somos o infinito, nós somos uma força da natureza, nós somos a resposta ao universo", "a respos..., certo, entendi, senhora, é quê", "é uma magia, uma bênção mística estar em face do mais feminino que há numa mulher", "sim, senhora", "deixa eu ver tua língua, mostra a língua", mostrei, "hum, boa língua, hein, ela abre e estica?", fiz que sim com a cabeça, "cê tem cara de bobão, mermão, mó mané você, de onde você veio?, onde ela arrumou você?", "eu vim do vale", "que vale, seu trouxa?", "do vale dos homossexuais", "eita, porra", "desculpe, eu sou viado, mas rolou um troço intenso entre nós ontem", "sei", "eu já estive por aqui antes, quer dizer, não aqui aqui, estive no aqui de outras mulheres, mas foi muito rápido e agora eu to aqui de de novo e eu to nervoso porque sei que é uma atividade que demanda experiência, trajetória, acúmulo, expertise, savoir-faire, know-how, que eu não tenho", "e rola, cê chupa?", "chupo, sim, senhora", "aqui é mais difícil, mané, aqui é arte, aqui é glória", "eu sei, senhora", "merda, nem sei como ensinar viado", "peço a gentileza de ter paciência, senhora", "mas então cê quer mesmo?, tá a fim mesmo?", "tô, senhora", (silêncio), "vai ver viado pode fazer melhor que os últimos héteros que passaram aqui, porque eu vou te contar, bando de preguiçosos", "prometo me esforçar", (silêncio), "seu beijo é molhado?", "sim, senhora, bem molhado", "e cê enfia a língua na boca quando beija ou roça a sua língua na outra língua", "um pouco dos dois, senhora, mas prefiro roçar a língua na outra", "ok, porque enfiar a língua é mais ali embaixo", "ah, disso eu sei, senhora", (silêncio), "é sério que cê é viado com essa cara de bobão?", não respondi e fiz cara de cachorro pidão, "tá bem, vai, de alguma coisa há de servir ter chupado rola, mas aqui não é rola, não, seu mané, aqui o sabor é Pachamama, vai aos poucos, reverenciando cada dobra, e presta atenção nela, ela é o foco, viado com cara de bobão, e cai de boca", "sim, senhora, com licença, senhora".

a Pequena se levantou e vestiu uma calcinha, sem sutiã. foi pra janela. me surpreendi observando sua silhueta contornada pelos raios de sol. Pequena linda. Nestor era assim também, uma extensão do sol vestindo somente uma cueca preta de elástico esgarçado; porque havia uma luz que percorria o encaracolado bagunçado dos seus cabelos e os fios desordenados da sua barba da última vez que o vi; uma luz que se expandiu e implodiu como supernova; uma luz de por de sol, moribunda; uma luz que eu não sentia já havia 6 meses. doí de saudade de Nestor. a Pequena virou pra mim, eu nu, deitado na cama, com os lábios molhados, língua cansada demais. ela me perguntou, se espreguiçando "vou fazer café, vamos tomar café? tenho tapioca e queijo, uns ovos. vamos fumar um baseado? preciso tomar água. café forte ou fraco? vou por uma música. que música cê gosta? cê tem uma cara de menininho de bossa nova". ela ligou a caixinha de som, que começou a tocar "braille", do Rico Dalasam.