eu vou começar a falar de algo do qual me arrependo. e é por isso que falo.

o vizinho sem camisa na janela. o colega balançando a pica no banheiro de um ministério. o jovem que diz ser mais velho do que é.

se a questão é poder, por que ninguém diz que existe um limite onde isso acaba?

se a questão é preço, por que ninguém reivindica aumento?

se a questão é valor, por que todo mundo se acha a última bolacha?

eu estava com o braço dentro de uma máquina que quebrava os ossos. me perguntavam onde ele estava. e meus ossos se quebravam. eu não respondi.

eu estava na casa de amigos. ninguém sabia que eu estava ali. eu me envergonhava de estar habitando um terreno privado que não é meu. esperava ser descoberto. eu não fui.

e se essa porra não termina nunca, haverá um concurso que integrará os desejos de toda essa gente de estabilidade? a vida que sonharam? as coisas mais difíceis? ou é só ganhar o dinheiro? na greve, na troca de governo?

não me quero do jeito como estou. talvez eu queira algo que escape à vida que sempre levei: ou seja a vida que sempre levei, deslocando de cidade em cidade. quero coisas que não são o bigode, nem o despacho. onde cabe a virilha depilada e o saco sem pelo na política? estamos precisando de você [dedo voltado pro presidente]. o que eu quero não cabe na esplanada. e pensar que 11 anos atrás eu queria brasília. me arrependi de ter saído de lá. e hoje a minha morada sou eu mesmo, o tempo é a minha casa. porque brasília é só pros fortes: quem se sabe sozinho, sem poder, sem estatuto, sem consultoria, sem organismo internacional. é só porque estamos sem poder que desejamos brasília.