No blógui com a Madonna - parte II

Cena 2 – Estou no ‘recreio’ da aula de quarta série primária de um colégio evangélico do interior do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Comento com uma amiga: “Tu viu que a Madonna vem pro Brasil no fim do ano?”. Ela responde, “Sim!! Minha mãe tem um disco dela!”. Eu comento venenosamente: “Sério? Eu não tenho dinheiro pra comprar um...” e faço uma cara de ‘estou desolado com minha condição’. Minha amiga me responde: “Ah, eu te empresto! Ninguém escuta lá em casa”. Sai a bicha-mirim saltitante pelo pátio do colégio.

Depois de ter passado pela Xuxa e por alguns long play de histórias infantis, o álbum Like a prayer foi o primeiro que tive em minhas mãos de uma artista internacional. Antes dele, apenas compilações de trilha sonora internacionais de novelas brasileiras, cujo pretexto para fazer meus pais comprá-las era porque eu precisava ‘treinar a prática da língua inglesa’, não nesses termos, of course, mas caía como uma luva para meus propósitos. Antes de Like a prayer eu só havia tido contato com ‘O canto da cidade’, de Daniela Mercury. Muito axé pra bicha-mirim. Decidi enveredar para as produções da terra do tio Sam, sempre lembrando com pueril satisfação do videoclipe que eu tinha assistido em 1986, de True Blue.
Like a Prayer foi um Fiat Lux na minha vida. Coitado de mim, com 9 anos de idade, preso a um corpo que não era nem de homem, sequer de mulher, eu escutava aquelas palavras – e não as entendia, é claro – envoltas em melodias tão sedutoras, dançantes, mas dançantes de um jeito diferente do axé de Daniela, dançantes de um modo provocativo, desafiador, e por isso mesmo: múltiplo. Na mesma medida que os jornais – ah, desculpe, no Brasil ainda não havia internet naquela época – publicavam cada vez mais notícias sobre a vinda da Madonna ao Brasil, mais o disco tocava no três-em-um lá de casa. Era luxo total.
O próprio nome “Madonna” começou a fazer sentido, começou a ser algo forte o suficiente para que eu o identificasse num texto jornalístico sem que eu precisasse lê-lo. O ‘m’ maiúsculo e os ‘n’ duplicados saltavam aos meus olhos que, já treinados, aprendiam a caçar por qualquer referência àquela mulher que vinha trazer a diferença, o modo diverso de agir e de pensar, modo diverso e controverso de fazer música, vinha trazer cruzes pegando fogo, um cristo negro em quem ela dava um beijo. Essa era a Madonna que eu caçava nos textos e que eu caçava nos sons do long play, alguém que era capaz de me fazer ruborizar.
Era inverno de 1993, e eu tremia ao ver na TV: “Antártica, uma paixão nacional, traz Madonna, uma paixão mundial”. Lembram?