O tempo não para

[...]veja bem gelada, afinal de contas era domingo à noite e no dia seguinte eu não trabalharia, nem teria aula, então me dei de presente esse momento a sós com minha embriaguez, um pouco para comemorar simplesmente o fato de eu estar só, um pouco também pra eu ficar bêbado e achar respostas plausíveis pra’quela situação super inusitada que eu nunca tinha vivido antes. É, eu nunca havia estado assim, nunca nessa encruzilhada, nunca nesse tipo de atravessamento, nunca nesses caminhos paralelos em que um pé está cá e outro acolá. Quando bêbado eu penso menos, mas penso mais leve. Quando bêbado eu penso pior, mas penso menos confuso. Bebi metade da primeira lata quando tocou meu celular. Não reconheci o número, e depois achei que fosse um amigo ligando da casa de outros amigos cujo telefone não constava na minha agenda e por isso eu atendi. O tempo não parou, nunca, e me jogou de volta, com força, nesse outro caminho que eu supunha abandonado. Foi boa a noite, delicioso ter reencontrado aquele timbre de voz. Aquelas histórias e aquelas estórias, aquelas aventuras. Tantos projetos, tantas tentativas e recomeços. A gente fica velho quando tem medo dos recomeços, quando fica difícil tentar novamente, quando é um cansaço criar um novo projeto, quando é custoso inventar um novo jeito de lavar a louça ou de dispor os móveis em casa ou de largar tudo em casa e ir lá pra outra cidade, do outro lado do mundo, com outra língua e outro clima, pra ver se dá pra recomeçar e não só partindo do zero – nunca se parte do zero – mas se dá pra recomeçar por um outro caminho, com uma nova passada, pisando mais firme ou mais leve, mais rápido, em zigue-zague ou dançando. Um deles é velho, e sente medo dos recomeços. Põe a culpa na certidão de nascimento. O outro é jovem – até demais pra mim, que sou um espírito senil – e só tem medo daquilo que já viveu. Um quer me sugar pro seu buraco negro de tranquilidade, estabilidade e linhas retas com promessas de apaixonar-se; o outro nem me faz constar nas suas estórias delirantes de colores e dolores, me tangencia e me circunda, nunca sei onde está. Admito que a vida fez me curvar: nunca pensei, estou falando sério, nunca pensei que havia ainda o que esperar, o que falar e o que beijar. Nem de um, nem de outro. Pois está dando certo essa minha estratégia de sair da plateia e ir pro palco. Enquanto que com um eu rodopio, no outro eu o faço rodopiar. E, é claro, um tem minha paixão – aquele que me rodopia como boneco de pano – e outro tem meu tenro carinho – aquele que eu rodopio como vudu. O segredo da paixão seria rodopiar? O tempo não para quando eu rodopio. Acho que eu ainda prefiro apaixonar-me a fazer apaixonar. De um jeito ou de outro eu vou trocar os toques do meu celular porque eles são ridí[...]