Cartas a uma jovem bicha - galetinhos

Terra do Nunca, 30 de fevereiro de 2012

Querida bicha;
Te escrevo deste terra linda, que um dia tens que conhecer! Ou não vais poder... Porque ainda esse ano o mundo acabada. Não vais conseguir chegar nem na esquina para vislumbrar o que se vive aqui, e como se vive aqui.

É uma pena. Mas te adianto: fazer sexo é como tomar chá: tomas com quem quiseres, a hora que quiseres, onde quiseres: todo mundo acha bonito e elegante: tem quem faça olhando pra rua, na janela, de cortinas abertas: há quem faça no parque, pela manhã e à tarde, em cima apenas de uma toalha xadrez: há utensílios especiais pra isso: todo mundo liga no dia seguinte perguntando se vai ter mais (pasme!).

Bicha, não crês. Mas sinto cá comigo um pendor leve para os galetinhos. Para os jovens, os efebos, os de penugem rala sobre os lábios, os de pernas roliças pela tenra idade. Aquelas panturrilhas de pelagem de primeira estação enfiadas em tênis e meias de futebol saídas de bermudões soltos... Me pergunto que interesse é esse o que eu tenho nesses corpos jovens e nessas mentes frescas. E te digo que é porque os jovens carecem de algo que excede nos velhos: o passado. É atordoante, beirando a demência, conviver com o passado de longa data de quem quer que seja. Eu tenho um passado, bastante denso é verdade, mas a leveza dos galetinhos chega até aí. Eles não se importam, ou pelo menos ainda não entendem, o peso que têm as lembranças.

Bicha, te lamente. Porque os galetinhos aqui tomam chá comigo todos os dias. E às vezes fazemos sexo. Ou o contrário. E quase nunca, e quase sempre, sinto saudade dos velhos. É certo que tenho que ensinar e mostrar aos galetinhos os caminhos do pescoço aos pés, da boca ao cu, da mão ao peito, do coração à mente. O melhor disso é que nos perdemos lá pelos meios, e inventamos atalhos e digressões, fugimos para um terceiro corpo (quase sempre de um outro galetinho), e abandonamos qualquer razão e qualquer emoção por outras coisas várias e inusitadas que não cabem nem lá nem cá, mas que aqui, aqui sem dúvida, são perfeitamente possíveis.

Bicha, e os velhos. Os velhos daqui, tal qual os daí, se arrastam e se afogam nos seus passados. Mas não são feios! São belíssimos! Arrastar-se e afogar-se, assim como trepar (ou tomar chá), têm outros sentidos aqui. Eu nesse lugar onde estou sou um velho. Também o era quando estava aí. Mas aqui eu sou lindo e, juro sinceramente, prefiro os galetinhos.