Perguntas tolas

Ao me responder a pergunta, tive a sensação de que ela já sabia que eu perguntaria exatamente aquilo, exatamente dele. E se ela fosse tão médium quanto dizia que era, de fato ela saberia. Pois então, com toda força de sua mediunidade – que tinha um preço, nenhum pouco barato – ela me disse que meus caminhos não comportariam alguém que precisasse de amarras para viver em segurança. E estava dito.
E me disse outras coisas mais: que eu viajaria, e viajaria muito. Tanto, mas tanto, que de uma dessas viagens eu não retornaria. Estaria ela falando da morte? Não. Ela disse que aqui eu não fico, que aqui não é meu lugar, que na verdade eu não tenho lugar algum, que meu destino é ficar errando – e, ao errar, ir acertando as dívidas com meu kharma – pelo mundo, nomadismo, vida cigana, sem raízes, rizoma puro. Quem diria: uma cartomante deleuzeana! Disse também que viajaria pra longe, pra além mar, e que lá está o dinheiro que vou ganhar – e muito – e que lá está minha carreira sólida – no mínimo, de muito sucesso – e que lá está o homem com quem vou passar mais da metade da minha vida. O amor está do outro lado do mar. Do outro lado do mar e no avançado futuro. Do outro lado do mar, no avançado futuro, em um país bastante frio. Em pensamento, de modo bastante elegante, agradeci aos deuses por me reservarem um marido loiro, de ascendência viking, com um pinto bem rosa. (O que não quer dizer, é claro, que eu não vá encontrando – ou errando, errante que sou – alguns pingos de felicidade em ébanos rígidos afrodescendentes que tanto admiro).
Marquei teu nome e o que veio foi aquilo que já sabíamos: não. Entre uma doença ali e uma inveja aqui, ela disse que tu és do bem, que me quer bem e que está do meu lado sempre que eu preciso, mas que é só. É só e é raso. E tem fim. Pois quando eu puser o pé no avião, e eu vou por, teu caminho vai seguir um rumo que irremediavelmente te levará para um ninho que não tem lugar pra mim. Isso porque, em primeiro lugar, eu nunca tive um ninho – sou errante, nômade, lembras? – e em segundo lugar, a praça onde farei meu acampamento cigano fica longe daqui, além mar. E ela me disse que tu jamais vais conhecer o além mar. Então tá: ponho os pés no avião, e tu assenta tuas raízes. Eu sou do ar, e tu da terra. Disso nós dois já sabíamos; então pra que perguntar novamente – tolamente – sobre algo que já tínhamos uma resposta?