Acontecer pra dentro, se eu pudesse. Costear, margear a pele pelo lado de dentro, acontecendo-me na beirada da pele. Explodir, vez que outra, em buracos da pele, rasgando-me no meu acontecimento - só no meu acontecimento. Curvar a pele em gota, pro lado de dentro, num acontecimento explosivo. Costurar rasgos da pele e dar pontos pelo lado de dentro. Erodir a pele onde um rio poderá passar e desfazer a margem epitelial, a costa de um continente dérmico. Densificar, espessar a pele onde ela tem de mais frágil: acontecer uma carapaça nos buracos por meio dos quais o dentro vaza e pinga. Acariciar ao acontecer, afagar um acontecimento que traga viço à pele, pele sedosa, pele sem vincos. Não parar jamais de lamber a pele pelo lado de dentro, hidratando-a. Pentear a pele para desfazer-se dela: novas peles acontecendo em camadas que crescem em ondas e que se dissolvem na beirada, diluindo a bomba do acontecido em um som quase infinito de explosão. Acontecer vulcões em mim: queimar a pele com a lava do dentro. Sem jamais prestar a atenção na cor da tez, amar a pele. Sem jamais deixar-me enganar pelo desenho da tez, aguardar por outras peles. Viver sempre em dúvida sobre a pele. Acontecendo-me nesta pele, num brilho que a atravessa; nenhuma ferida é necessária para cura. Impedir que a pele se torne translúcida: é função da pele delimitar o acontecimento para mim e em mim. Uma pele invisível destrói a paixão de descobri-la, de afastá-la, de desvelá-la. Eu quero abraçar-me e ter-me por dentro, quero tocar nessa linha, nesse tecido, nessa membrana do meu acontecimento. Estilhaçar o fino cristal da minha redoma e sufocar com a rarefação do fora: matar a pele.