Sozinho consigo, ele pensou. Sozinho apenas com um sorriso, e o sorriso é sempre um companheiro. Sorrindo consigo, ele pensou, e sorrir é sempre uma dádiva. Pôde, enfim, dizer não a qualquer desatino do ego, a qualquer controle da martelada: o prego saliente é sempre alvo da primeira martelada: mas isso é pouco. Liga a geladeira. Ela refresca o que já haverá de comer e de dizer chega. Já diz, a geladeira, o que eu hei de comer e de recusar. O que eu posso ingerir. Voltando, então: é tudo belo. Tenho umas plantinhas crescendo na vertical da minha minha perede. Não consigo prever, agora, se elas resistirão: é preciso considerar que me sugam a vida, que me confiscam a vida. Uma piada mal feita, um riso, um olhar; um cigarro, uma long neck de Stella Artois; o tira-limo que uso em excesso e que que respiro profundamente quando limpo o box do banheiro: a vida que se extingue, que eu sei que vai embora ou que se diminui, que fica opaca, que vira a cara pro Sol e pra todo seu reflexo. É uma vida que esvai, que recusa e que renuncia. Não haveremos de dar ouvidos, em algum momento, para aqueles e aquelas que tiram suas próprias vidas? Que grito haverá de ter nas cordas vocais de quem esteve lá para ouvir e para resignar-se, para entender o motivo de quem não quer mais estar entre nós? Ir embora - da minha janta, da minha festa, do meu texto ou da minha palestra - jamais significa abandonar quem não quis estar conosco. Guardam um segredo, essas pessoas que recusaram o mundo tal como ele é: sua razão e seus motivos, sua lógica. Expresso simploriamente por meio de um ato (um tiro, um enforcamento, um carro jogado no poste, uma ingestão obtusa de medicamentos), há explícito em seu corpo e em sua feição tudo aquilo que escapa ao que consideramos justo: a beleza, a juventude, a alegria, a magreza e a riqueza. Jamais deixemos de explorar quem se mata. Não por razões necrófilas, mas por razões políticas. Quem se mata monta um quebra-cabeça, um código, uma chave, uma senha que nos diz da impossibilidade do mundo no qual vivemos. Escutemos seus gritos, ouçamos seus tiros, experimentemos suas químicas. O que temos, enfim, para aprender com quem vai embora por ofício, por decisão e por amor? Com quem recusa este mundo do modo como está? Com quem sente pena de nós por ficar?