temos um acordo: aceitamos a presença um do outro somente na medida em que nos tolerarmos. somente na medida em que nos calarmos. somente na medida em que permaneçamos imóveis, catatônitos. ou não temos acordo: uma coroa duradoura de espinhos sobre nossas cabeças ou recheando nossas bocas. cuspindo ameaças mútuas.
não temos acordo, e não porque quero espinhos, mas porque não há critério possível de concordarmos com isso que chamamos de amor. não estou convencido de que há amor entre duas pessoas que não se conhecem para saber, enfim, quem elas são. para saber, enfim, das suas memórias, compartilhá-las, preservá-las. desconhecemo-nos e, por isso, não há acordo.

não há verniz que se possa jogar por sobre amor quebrado, nem que seja para exibi-lo para as visitas no vestíbulo, de passagem.
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a experiência de desamparo devido a nossa distância desfaz qualquer esperança.
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enquanto ele tem medo da morte, eu ainda sigo com o medo infantil da imensidão da vida.
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sozinho no mundo, sem laço forte o suficiente que garanta guarida.
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faço muito esforço para estar junto das pessoas; elas, no entanto, não o fazem na mesma medida.
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há algo a se aprender com a recusa, ou esquecimento, das pessoas em se esforçarem para estar comigo.
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há algo a se aprender com o esforço que faço para ser reconhecido em meu esforço de estar com as pessoas.
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no final, terá sido vã a tentativa de colonizar cada hora do dia, todos os dias, com a promessa de paz?