olá, ghost.

hoje passei por uma das ruas onde nos despedimos. foi uma despedida à noite, escura, fria. evito a qualquer custo, a qualquer distância, passar pelos mesmos pontos onde coabitamos. escolho a outra calçada, a outra rua, o outro bairro. fujo, mas te reencontro como ghost em cada paralelepípedo. evito a lembrança. evito a possibilidade de cair em um túnel e ser arremessado de volta para o momento em que estávamos lado a lado, se olhando, se escutando, se tocando. sinto ser possível que o arrebatamento, que o encantamento que senti possam ter grudado, impregnado, se enroscado em cada paralelepípedo. desvio. mas sei que te procuro. como um cão que fareja: estou no teu encalço. escorei numa varanda de onde se vê a vista que te salvou, te curou. de fato, é como ter um mundo feito de tapete em concreto. e o céu tocado pelas pontas dos altos prédios, por onde passa o sol todos os dias. muito sol. não considero aquela vista curativa, nem salvadora. admito, porém, que olhar a cidade de lá é um aconchego. há tanto o que viver aqui. quis comer a cidade com uma colher, como quem a enfia com furor em um tiramisù. quero comer esta cidade em colheradas. e o trem da cptm passa bem ali embaixo. e acho que isso, sim, pode me salvar de ser Anna Karenina. é porque tem gente ali dentro. é porque assim não me sinto um fantasma no mundo. é porque hoje descobri que ser sozinho não é o meu maior problema. nunca foi. tua presença, ghost, é uma lacuna, um buraco. de todos, aquele com mais espinhos. hoje meu coração disparou e foi de tristeza. não foi de angústia, nem de pânico. foi de pesar. entristeci com o vazio. há um vazio, uma ausência. um lugar que não ganha sentido, nunca, que permanece vacante, que recusa preenchimentos e distrações. não porque estou sozinho, mas porque fiquei diante de uma parte, de um lugar que é vazio: um buraco em um paralelepípedo. sozinho eu me ouço; no vazio, entretanto, só há ecos.