Hora de Júpiter

Mediante pagamento, fui feliz. Foi o passaporte para uma liberdade controlada, cujos limites acompanham o volume das cédulas do meu bolso. Foi o visto de entrada numa zona, quarta-escura, luz-vermelha. Mediante pagamento não há toda sorte de censuras, a não ser aquelas que o custo impõe. Expandem-se os zíper e os botões, os corpos cavernosos e esponjosos: ‘expansão’ é a palavra. As eternas negociações cínicas dos corpos zero-por-cento-de-gordura-trans simplesmente ficam suspensas e perdem grande parte do seu sentido. Ou se não perdem, pelo menos são ressignificadas! Não há abdome que valha por si só, nem bíceps que dê conta sozinho de uma declaração de amor. Não há feiúra que se preserve com uma nota de cem reais. Nem beleza o suficiente que prescinda o débito de trinta pilas. O Segundo Sol brilha na noite, nas quartas-escuras, quartos-crescentes, Segundo Sol em noite de Júpiter, em casa de 8. A facilidade do toque, e aí não se enganem, quer dizer menos a quebra total das fronteiras bem limpas entre afetos e muito mais a justaposição dos perceptos. Tocar é mais importante que sentir. E aí não se entenda que não há sentimentos: sempre há sentimentos, mas há formas de sentir, variadas maneiras de extrair afeto. Mediante pagamento há um outro território, não exatamente aquele livre das quaisquer proibições, não exatamente aquele da libertinagem sem fim, não exatamente aquele da eterna perversidade. Esse outro, esse alter, esse hetero é um lugar em que são repensadas as referências para as relações. Nessa revisão, não se perde ética: reconstrói-se uma. Estou com eles porque quero, e não porque preciso. Estou com eles porque gosto, e não porque não consigo. Estou com eles porque pago, e vocês – todos vocês – também estão uns com os outros porque, em primeiro ou em último lugar e em algum momento, também pagaram.