Coisas à toa

[...] e daí a gente vai guardando um rancor aqui, sufocando uma palavra ali. E vai deixando tudo se amontoar, empilhando cenas ranzinzas. Acho que foi um pouco isso que senti quando eu li as revistas. Imagina, havia sete edições que eu sequer tirei do plástico, numa pilha bem na frente da porta de entrada do meu apartamento. Daí resolvi passar os olhos por elas, uma por uma em ordem cronológica. Não entendi muito bem porque eu comecei a ficar nervoso folheando as páginas, porque eu estava ansioso, desconfortável. Quando eu terminei, eu tinha lido não mais que três reportagens, uma dúzia de linhas ao acaso. Tinha visto dezenas de fotografias, todas muito bonitas. Mas o desconforto e a ansiedade eu só descobri depois. Acho que eu guardei essas revistas por muito tempo, e quando eu as tirei do plástico e as folheei pela primeira vez – imagina, tinha uma edição de agosto do ano passado que estava sendo manuseada pela primeira vez – eu fui me dando conta que eu estava amontoado por sobre um sofá todo sujo e velho. Eu fui me amontoando e me empilhando... e me separando, me dividindo. Uma coisa eu tenho que admitir: só me dei conta disto porque a TV a cabo estragou. Porque senão eu continuaria pulando de um canal pra outro sem precisar pensar na minha rabugice. Acho que minhas chances vão escasseando a cada dia, menos possibilidades por hora que passa. Mais e mais sozinho no próximo final de semana que no anterior; progressão geométrica. Mas é assim mesmo, uns que conheço se unem e se aliam, uns são chamados a servir e servem. Uns passeiam. Outros se dividem, se apartam, se separam. Divorciam-se daquele lugar de onde vieram, tornam-se outros no exílio. E nós vamos nos espalhando por aí. E também é verdade que sinto vontade de dizer, de escrever o que não pude lá no começo, naquela hora exata. O problema é que, como eu disse, as chances e as possibilidades vão diminuindo; progressão aritmética. Eu já me sinto bastante constrangido. Acho que lá pelas tantas de mim, eu não tenho mais muita esperança. Parece que simplesmente não dá: NÃO DÁ. A pouca disposição da minha parte faz uma perigosa combinação com a pouca oportunidade do lado de fora – ambas intimamente relacionadas, eu diria. E daí eu vou amontoando esse rancor um pouquinho em cada canto, empilhando mais rabugices pra pegar pó e pra atrapalhar a luz que entra, ou que devia entrar. Uns que conheço vão indo pra fora, extravasando, cada vez mais do avesso. Outros vão fechando. O problema todo é que sábado eu vou ter que acordar às oito da manhã... [...]