Cartas a uma jovem bicha que deu certo - saudades portuguesas

Oi, minha amiga!

Desculpe a demora em te responder.

Olha só:

- dê o cu em Portugal. Por favor, Beibe, deixa de ser boba e libere o buts. Não vem me dizer que “ai, dói”, ou “os paus que tem por aqui são muito grandes” ou “estou plenamente satisfeita dando minha buceta”. Para com isso. A questão é tu deixar de achar que o cu é igual à merda, ou deixar de achar que merda é sempre ruim, e soltar essa louca anal que há em ti (que há em todos nós, na verdade). O problema é tu achar que é um problema cagar fora de casa, ou com gente por perto escutando os sons, os ruídos, os cheiros. Isso é corpo, e corpo tem cheiro ruim, tem sons e ruídos, o corpo é de última. Dar o cu é aceitar o corpo, a merda e o prazer que ele tem a nos dar. E passar um belo de um cheque é ter de encarar a dor e a delícia de ter um corpo, de viver num corpo. Tu até podes fazer a chuca pra não passar o cheque (não sei como fica essa história da chuca aí em Portugal, já que o chuveirinho que nós usamos aqui no Brasil pra lavar o reto eles aí usam pra lavar a cabeça – vá entender), mas saiba que passar o cheque FAZ PARTE DO PROCESSO DE ENTREGA E DE EXPERIÊNCIA DO CORPO. Não dá pra ser bonita sempre. Seja feia alguma vez, mas se dê de presente um orgasmo anal.

- desejo do fundo do meu coração (que é raso) que tu voltes daí carregando uma pedra em cima do nome do Bófi. Deu, acabou, terminou, passamos pra outra fase do videogame. Aí na Europa tu podes perceber que há outros homens no mundo, outros homens bonitos, outros homens inteligentes, outros homens de outras cores, e tu é apenas e tão-somente mais uma mulher no mundo. Não adianta usar isso pra justificar “ah, mas o Bófi é tudo, mas com o Bófi eu tive um relacionamento de verdade, mas ele é tão culto, com ele eu podia ir ao cinema e conversar sobre o filme logo depois” só porque outros caras não conseguem ser do mesmo jeito que ele é. Não dá pra continuar procurando o Bófi nos outros. Será que não é tu que insiste em dar valor somente a algumas características e esquece que as pessoas têm várias qualidades? Detestei ver o Bófi no aeroporto aquele dia, mas entendo perfeitamente os motivos que o levaram até lá e também entendo o fato de tu ter gostado de vê-lo por lá. Só que não consigo concordar com isso, não gosto dessa pseudo-relação que vocês mantêm, acho que faz mal pra vocês dois – e pros terceiros e terceiras que existem entre vocês. Vai viver outras coisas e deixa que ele viva outras coisas também. Vocês já aprenderam o suficiente um com o outro, não há mais porquê vocês ocuparem as moitas e não darem lugar pra outras pessoas passarem nas vidas um do outro.

- trabalhe. Trabalhe de graça, trabalhe com sub-remuneração, tenha (mais uma vez na vida) a experiência de dar tudo o que tu podes dar e ganhar bem pouco em troca. Mais ou menos aquilo que tu viveste no X ou no Y. Não quero que tu fique pra sempre trabalhando que nem uma camela e ganhando pouco, mas acho que quando a gente sente na pele a injustiça que é o trabalho, a injustiça que é a profissão, o desgosto que é ter de arcar com a responsabilidade de produzir alguma coisa pros outros e praticamente não ser recompensada nem ser reconhecida por isso, a gente quase sempre se torna mais humilde. Eu mudei muito minha relação com meus pais (e até sobre tudo o que penso sobre minha irmã) depois que eu comecei a trabalhar sério no Z e na faculdade por causa da bolsa. Mudei minha relação com meus amigos. Mudei a maneira com que eu valorizo as pessoas que eu passei a conhecer na minha trajetória. Não acho que “o trabalho dignifica o homem”, mas acho que o trabalho dá um outro sentido pra nós, muda o jeito com que a gente lida com o dinheiro, com nossos valores e nossos princípios. Sabe por que eu te escrevo isso? Porque quando a gente sentar na Redenção ano que vem, depois de eu ter voltado do Rio e tu de Portugal, eu não quero te ouvir falar só dos homens tu pegou durante a semana. Quero te ouvir falar também sobre eles, sem dúvida, mas não quero ouvir só isso, como se beijar e trepar fossem os acontecimentos máximos da tua vida. Tu tem potencial pra muito mais que isso, pra trabalhar e pra estudar, pra viver outras coisas além dos prazeres da conquista. A gente deixou de ser adolescente já faz um tempão, tu não precisa mais me perguntar o que eu acho de tu mandar um cartão de ‘feliz aniversário’ pra um namoradinho teu (lembra disso? Foi nossa primeira conversa na escada do XXX, quando tu me perguntou se tu deveria escrever um cartão pro Outro Bófi). Hoje em dia a gente pode fazer de tudo, Beibe, tudo mesmo, a gente conseguiu chegar num estágio ou num patamar que até viajar pra fora de Porto Alegre, pra fora do Brasil a gente pode. Acho que está na hora de nós dois sermos mais adultos. Eu espero isso de mim, e ficaria feliz em te sentir da mesma forma.

- aproveite. Não é todo mundo que tem o pai e mãe que tu tem, que podem te dar uma viagem pro exterior pra estudar. Eles são ótimos, cada um com seus defeitos e suas qualidades, mas eles são bárbaros e fazem de um tudo por ti. Acho que tu tem isso de maravilhoso, que é viver rodeada de pessoas que gostam muito de ti e que desejam que tu vá sempre pra frente. SEMPRE PRA FRENTE, e não parada num mesmo lugar, não indo de lado como um caranguejo ou dando pra trás. Sempre adiante, com ritmo e vontade. Se tu tiver tirado todas as fotos que tu queria tirar de algum lugar, tire mais algumas, de um outro ângulo, de uma outra paisagem ou de algumas outras pessoas. Sempre tem algo de novo nas pessoas ou nos lugares que a gente pode enxergar. Se te convidarem pra um café, pra um vinho do Porto ou pra um bacalhau, aceite. Pode ser péssimo, e daí a gente vai rir muito disso. E pode ser ótimo, e tu jamais vai esquecer dessa situação. Sempre aceite os convites, sempre deixe guardado mais um “sim” pra dizer pros outros. Sempre tenha mais um olhar fatal pra lançar pra um português (ou italiano, ou espanhol, ou alemão, ou norte-americano ou.... ou um brasileiro!). Sempre tenha mais 5 minutos pra ficar na cama em dia de chuva. Essa parte do email ficou parecendo “Filtro Solar” do Pedro Bial, mas a minha mensagem é que A GENTE SEMPRE PODE FAZER MAIS COISA QUE A GENTE PENSA. E isso é o que eu chamo de ‘aproveitar’.

E eu tou bem triste aqui. Porque me dei conta que não tenho mais amigos. Aos poucos, com esse meu jeito sensível de ser, eu cortei as pessoas da minha vida. De alguns eu não sinto falta, ou até sinto, mas entendo que não podem fazer mais parte da minha vida porque simplesmente já vivemos o que tínhamos pra viver, já aprendemos juntos, foi legal e passou. De outros eu sinto muita falta, saudade mesmo. Fica um buraco em algum momento do dia, são pessoas pra quem eu podia ligar pra dar um ‘oi’ e não posso mais. Eu sou meio assim, vou podando as pessoas, cortando, rasgando, amassando e seguindo em frente, deixando rastros e migalhas pra trás. Chega num ponto em que a gente paga por ser desse jeito. Abri mão de muita coisa em nome do trabalho, em nome do estudo, em nome do namoro, em nome do sono. Mas eu sempre soube, às vezes mais claramente e às vezes mais sombriamente, que esse seria o meu jeito de levar a vida: como um turista, um estrangeiro perdido, um exilado. Eu sei que vou morrer sozinho, isso já não me assusta tanto; o que me interessa é ‘aproveitar’ até chegar lá. Fazer sempre mais do que eu acho que posso.

E desculpe se esse email tem muitas palavras repetidas como ‘vida’, ‘os outros’, ‘viver’. É que essas coisas todas (vida, os outros, viver) tão me azucrinando nos últimos meses, elas têm estado na minha cabeça zanzando como moscas.

Beijo e saudades, saudades grandes e densas!
Use gel lubrificante pra dar o cuzinho!!!