Continuação da entrevista III

- Eu gostaria de esclarecer o seguinte: o que seria isso que tu chamas de reinvenção de si?

- Essa é uma pergunta fundamental, importantíssima. Reinvenção de si, para mim ou para nós, significa estar sempre atento ou atentos àquilo que poderíamos ser diferentes de antes. Reinvenção de si, para mim ou para nós, é entrar no fluxo do processo de não ser sempre O Mesmo, não ser sempre idêntico. É dobrar sempre mais uma esquina, entrar sempre por mais uma porta ou sair sempre por mais uma janela. É olhar-se e nunca reconhecer-se como outrora, é como ser um constante retrato cubista. Sobretudo, significa transformar a questão “quantos leões terei de matar hoje?” para “quais os leões que posso domar hoje?”. Reinventar-se é a possibilidade de mudar a todo momento as relações que nos assujeitam. Isso tem importantes implicações, por exemplo, para a função autor a partir da qual começamos essa nossa conversa. O autor ou a autora, ou os autores ou as autoras, não é ou não são proprietários e proprietárias, sequer inventores ou inventoras, de seus textos. Colocando-me ou colocando-nos contra a vontade da maioria, que nem de longe é democrática, não admito ou não admitimos ser punido ou punidos por aquilo que escrevo ou escrevemos. Sou ou somos porta-vozes dessa nossa polifonia. Admito ou admitimos, então, que posso ou podemos ser boca-maldita ou boca-do-inferno, mas tão-somente se a maldição e o inferno forem aqueles compartilhados por todos nós.

- Mas o autor não é capaz de criar? Nós não somos capazes de originalidades?