O nosso quartinho

Sabe do que eu to falando? Do nosso quartinho, aquele que ficava lá atrás de casa, na parte mais austral da casa. O nosso quartinho escuro, secreto, que a gente frequentava quando éramos bem crianças, quando a gente acreditava nos amigos imaginários. Pois é: o quartinho não existe mais, tá? Nunca existiu.
Entende? Deixa de ser ridícula e vê se cresce: nunca houve quartinho nenhum. Sua louca. Eu tentei de avisar, eu gritei contigo, até te dei uns tapas: nunca existiu. Eu me dei conta disso no dia em que tu decidiu que eu simplesmente não fazia mais parte da confraria do quartinho. E nesse dia tu me impediu de entrar no nosso quartinho, mas daí eu vi que aquele cubo obscuro onde a gente entrava e fingia tecer histórias reais, eu vi que ele não existia porque mesmo tu dizendo que estava lá dentro eu ainda conseguia te ver do lado de fora. Era como se fosse um cubo de acrílico transparente. Sua louca ridícula.
Sabe?... Eu fiquei te olhando, falando sozinha, mexendo nos teus brinquedos. Não me deu nem pena. Vai embora, eu nunca mais entraria lá, nem se existisse. Foi quando tu me mandou embora que eu fui viver minha vida – bem longe de cubos de acrílico transparente enfiados no breu. Tu me mandou embora e isso não resolveu teus problemas. Não é me mandando embora, nem mandando qualquer outra pessoa embora, que tu vai conseguir resolver teus problemas. Feia. Isso te faz uma pessoa feia.
Muito me surpreende o fato de tu não entender que não houve, nunca, um quartinho nosso. Era só uma fantasia que era realidade enquanto nós dois acreditávamos nela. Não me culpe por isso, não me responsabilize. Não me mande embora novamente desse teu quartinho apertado onde tu vives hoje. Não vai adiantar. Ridícula. Só vai piorar e estreitar, apertar ainda mais o cubo seco onde tu mora.
O meu quartinho já está cheio pra te receber.