Confusão

Não te sinto extensão de mim como eu gostaria. Não te sinto qualquer coisa de mim, sequer oposto. Nem te sinto algo outro, nem algo comparável. Nem te sinto. E te olho com uma curiosidade, com uma certa admiração, com um certo desapego, que desaparecem numa segunda frase, num segundo olhar e num segundo toque. É um laço de sangue que nos une, efêmero porque inexplicável. Um laço que precisa ser a todo momento reatado. Se tropeço em ti na minha calçada, te tomo como pedra mal colocada. Se esbarro em ti na faixa de segurança, te tomo como pedestre cego. Se meu olhar cruza com o teu, é porque estás na frente do filme em cartaz. É como se fosse um acidente ou uma equação calculada com a fórmula errada: dá um resultado implausível, mas dá um resultado de qualquer forma. É como se fosse uma possibilidade que outrora eu consideraria, ou um ônibus que no passado eu pegaria. Uma chance que em outro momento – qualquer momento – daria certo e se aplicaria à situação. É um risco, e não uma seta. É um som gutural, e não uma palavra articulada.