Um outro texto sangüíneo

Ainda sobre os surdos vaidosos: vocês cairão, da mesma forma como já caíram outras vezes, nas armadilhas arquitetadas pelas suas próprias vaidades.

Eu já os avisei sobre isso, não com palavras, não com textos, mas com sinais de ferro incandescente que procurei marcar em seus corpos. Sua incapacidade de ouvir o que lhes é dito, em primeiro lugar, os caracteriza como ridículos, e em seguida como sujeitos de pena. Tais quais teias emaranhadas convergindo para um centro único, fios com nós tensionados em espiral de desordem, linhas sobrepostas em situação de incomunicabilidade com o exterior, nada lhes é importante quando vem de fora, a menos que o que vem de fora lhes sirva para afirmar o que previamente foi escolhido para sustentar, reforçar, comprovar, sublinhar o que já está em seu interior. E o que já está em seu interior não é algo dado pela natureza, ou algo localizável em seus genes. É efeito dos olhares alheios, é produto daquilo que tentaram fazer para pactuar com os acordos e, dessa forma, inserirem-se com sucesso numa rede geral de aceitação e celebração. Seus pactos podem ter sido positivos, ou pelo menos o olhar ‘dos outros’ pode lhes ter parecido confortáveis. Mas se por um segundo os pactos de aceitação funcionaram, eles também falharam: a sensação dissimulada de acolhimento os seduziu e os enganou, de modo que saíram desenfreados à procura de cada vez mais permissões de existência e subscrições de excelência por onde passavam e por onde se manifestavam.

Sujeitos da própria ilusão, armaram pra si mesmos a armadilha da confiança no aceno de simpatia ‘dos outros’. Ridículos porque se transformaram em palhaços insanos de uma popularidade enviesada, de uma popularidade fantasmática. Ridículos porque se converteram no signo daquilo que mais detestavam: tornaram-se a própria abjeção. Ridículos porque abjetos, abjetos porque mendigam um índice de diferenciação ‘dos outros’ na mesma medida em que ‘aos outros’ se igualam. Ridículos porque sedentos pelos acenos positivos, pelas credenciais louváveis, pelos passaportes de vistos universais. Ridículos porque, ao reivindicar para si a centralidade da admiração – seja pelo sucesso em se diferenciar ‘dos outros’, seja pela competência de ‘aos outros’ se mimetizar – tornam-se referência de como não-ser.

Sujeitos de pena porque tristes. Solitários, encastelados, vivendo dentro dos muros impermeáveis da própria vaidade, habitantes de uma depressão escura e fria da topografia da dignidade, arrastam correntes presas aos seus corpos que lhes servem, simultaneamente, de prisão e de arma. Prisão porque os mantêm dentro dos limites circunscritos pelos seus egos inflados; armas porque fazem as vezes de ferramenta de ataque àqueles que incursionam pelas dúvidas que os sustentam. Sim! Os surdos vaidosos estão assentados, sobretudo, em dúvidas sobre o que lhes pertence, sobre o que lhes é merecido, sobre qual seu valor e sobre quais estratégias precisam criar para manter suas vaidades. Estão, portanto, em constante estado de adiamento de suas afirmações justamente porque precisam fazê-las a todo o instante.

A vaidade é, ao mesmo tempo, dejeto de suas latrinas e banquete de suas refeições.