Muitos substantivos, eles dizem, textos muito substantivados. O “eu” continua sendo o ator/autor da narrativa, continua sendo um personagem autônomo, autocentrado, cheio de poder para dar significado à vida. Usa demasiadas palavras para dizer o que pensa, e como pensa, quando na verdade o que existem são inúmeros vacúolos de silêncio no seio desse “eu” pensante que tenta disfarçar suas lacunas com palavras. Nada mais claudicante que palavras para dar conta do niilismo do “eu” – nem o corpo lhe serve como abrigo ou como substância.

Existe linguagem possível? Pra dizer que quando teus cabelos voaram sobre a testa, repartidos pelo meio da cabeça, e teu olhar me reconheceu e eu te reconheci? Pra dizer que te sabia por trás do interfone, subindo o elevador, caminhando pelo corredor? Pra quando senti teu dedo pressionando a campainha? Pra dizer que palpitou meu olhar e saltou minha mão, antes descansando sobre minhas pernas cruzadas, na direção da tua, pra dizer que teu peito passou demasiadamente próximo dos meus olhos e que não pude crer – nunca tinha percebido antes – o quão possante ele é? Eu sei que tu te insinuas, que tu baixas a cabeça quando não sabes o que dizer, mas mesmo aí nesses instantes teus olhos sobem e procuram os meus formando um ziguezague que nem desce ao chão e nem voa pelos ares. Eu sei que tu te enroscas nos postes, que tu deslizas pelas ruas na caça, na procura, na peregrinação solitária de mim. Eu estou aqui, estou aqui, e não em outro lugar.

De pé, em frente às portas abertas que dão para um imenso salão supostamente vazio e escuro, concordo que meu vazio és tu, que nunca será preenchido.