O que é um autor

Hoje me joguei na biblioteca. Me sentei e li durante alguns minutos várias páginas sobre o que foi, ou quem foi, um autor que gosto muito. Já morreu, faz tempo. Estranho exercício o de construir roupas, risos e rostos para atribuir as palavras que admiro tanto. Porque, na verdade, ele tinha muito de normal (justamente do ‘normal’, daquilo que ele passou boa parte de sua vida na inglória tarefa de desconstruir). Porque, na verdade, vejo muito de mim naquela figura esguia, cujos fundos das gavetas e das prateleiras pareciam guardar sempre mais caminhos interligados a cômodos impensáveis dentro de sua casa. E ontem me joguei no shopping. Comprei calcinhas finas, de pleno potencial para o rasgo, de modo que sejam facilmente sugadas pelo turbilhão do meu “meio”, do meu “entre”, do meu “meridiano” – tanto o frontal quanto o dorsal. Gostoso mesmo é sair da loja com a certeza de que não tenho como pagar pelas calcinhas, que não tenho muitos a quem mostrá-las, mas a delícia é usar algo que não é meu e, ao mesmo tempo, apoderar-se dele: sugá-lo para dentro, in-corpo-rá-lo. E anteontem me joguei na terapia. Fui tratar dessa compulsão pela verdade, pela retidão e acertos de escolhas, pela vontade de transparência. Não sou, não posso ser transparente, não quero exigir o mesmo dos outros. E como é difícil não poder intuir, ou fazê-lo minimamente, quase às cegas! Porque vontade de transparência e paixão pela verdade são formas de vigilância e de controle, tesão por governar o outro. Ora, que governo quero exercer? Já não me basta a calcinha enfiada no meio das pernas, ainda sinto desejo de vigiar a cueca alheia? Quem é esse autor?