"Somos eficientes em produzir péssimas realidades para nossos relacionamentos"

- Sem chance de ter mais vida nessa relação?

- Com chances, com muitas chances. Não é disso que somos feitos? De chances, de possibilidades, de bifurcações em potencial? Frequentemente vejo homens sentados em bancos do parque, à espreita de um corpo que se movimente entre as árvores de modo suspeito e sugestivo. Também vejo homens caminhando sem camisa já quando o sol não brilha mais, e ainda sim há uma certa luz do cair do dia iluminando a cidade. É um horário estratégico, muito mais estratégico que o breu da madrugada. Nada disso tem mais efeito do que o olhar que eles lançam. Há algo ali, naqueles olhares, não exatamente o sinal de uma busca e de uma procura, mas algo mais positivo, algo que produz. Um olhar que produz situações. Não tem nada dessa história de quebra-cabeças, da minha peça em que falta uma parte e da tua peça que tem outra parte de sobra e ambas se encaixam perfeitamente, não metade da laranja nem tampa de panela. Não há um olhar que busca e outro que é buscado. Não há algo em mim que penetre num espaço vazio do outro. Não há encaixe harmonioso que forme uma peça perfeita. Há uma produção lá onde eu atuo, onde meu olhar desliza. Lá naquele corpo, vários desejos – que pode ser meu desejo, ou desejo do outro sobre mim. Lá naquela boca, várias palavras – que podem fazer sentido pra mim ou sequer me afetarem. Lá naquela história, várias lembranças. E nisso não há quebra-cabeças, volto a insistir nisso. Porque na ideia de quebra-cabeças sempre subsiste a noção de incompletude, de falta, de negação. De algo que me faz incompleto, de algo que o outro tem e que me preenche lá onde antes eu era vazio, lá onde antes era o nó da minha depressão. Na história dele ou dela, não há situações ou lembranças que me preenchem, que se encaixam no meu quebra-cabeças onde antes havia um vazio. Não me aproprio da história dele ou dela para fazer disso a minha própria história ou, pior ainda, a história de nós dois. Acontece que a minha história com a sua história – o meu corpo com seu corpo, minhas palavras com as tuas – se encontram e se multiplicam: produzem algo novo, inesperado, produzem uma realidade na qual acreditamos ser, abre aspas, o nosso relacionamento, fecha aspas. Quando um relacionamento chega ao fim é porque sua potencial capacidade de multiplicar realidades também acabou. Mas esse é o jeito menos comum de uma relação terminar. A maneira mais usual, que mais vemos acontecer por aí, é quando a potencial capacidade de um relacionamento multiplicar realidades se transforma numa fábrica incansável de sofrimento, de cobranças, de medos e de fantasmas. Continua multiplicando, continua bifurcando, espumando, pressurizando, borbulhando, fervendo: de raiva, de insegurança, de ciúmes, de rancor e de mágoas. Somos eficientes em produzir péssimas realidades para nossos relacionamentos.