"Um movimento constante que tangencia o rígido e o fixo, desmontando-os"

- Então é por isso que ainda estão juntos? Porque me parece que há mais rotas de colisão entre vocês, um com o outro e com vocês próprios, do que propriamente caminhos a serem seguidos em conjunto.

- Mas as rotas de colisão também são maneiras de seguir em conjunto.

- E até quando, até onde vai esse caminho em conjunto? O quanto se aguenta, o quanto se sustenta uma relação sempre em erosão?

- Não sei, nunca sabemos. Não me interessa saber até quando vamos ficar juntos, não quero datas nem horários. Saber o dia da morte significa já ir se deitando no caixão. Mas sem dúvida não vai muito além da nossa paciência. E nossa paciência não suporta muita erosão: um fluxo contínuo que corrói paredes em blocos. Um movimento constante que tangencia o rígido e o fixo, desmontando-os. Fazemos isso um com o outro, erodimos certas partes de nós. E isso não é exatamente ruim; ruim é o fato de usarmos esses pedaços de rigidez, esses blocos de fixidez que desmontam de nós próprios para, então, arremessá-los um contra o outro. Fazemos isso o tempo inteiro, nas mínimas situações: ao usar adoçante no suco de uva e no cafezinho para não engordar; ao usar uma regata mais justa para espremer os músculos; ao colocar a campainha do celular no último volume para que um saiba bem quando o aparelho do outro recebe uma ligação ou uma mensagem. Provocamo-nos mutuamente, de um modo um pouco inconsequente, como se nossa paciência resistisse à erosão que nos submetemos. E ela não resiste, não irá resistir. Ela já dá sinais de fratura, de cansaço.

- Podes sugerir um fim? Se pacífico ou litigioso?

- (silêncio) Se pacífico ou litigioso, será um fim absolutamente necessário. Queremos dizer com isso que o momento em que terminar, essa relação terminará sem que reste uma só gota em sua ebulição. Conhecendo-nos como nos conhecemos, vamos até as últimas consequências, até as raias, até o elástico romper, até nos exaurirmos um com as coisas tolas do outro. Exaustos, só depois de um certo tempo é que vamos nos dar por conta de que o fim chegou e que não resta mais nada. E aí seguiremos em frente, ou pra trás, como se jamais tivéssemos nos encontrado. É por isso que achamos que não será um fim pacífico, tampouco um fim litigioso. Será um fim em si mesmo, um fim que apagará qualquer vontade de continuar as rotas de colisão e as erosões. Seremos inteiramente prescindíveis um para outro depois do fim. Tornaremo-nos, enfim, estranhos e ilustres desconhecidos na história de vida um do outro. Sem mágoas nem rancores, nem vinganças calculadas de maneira fria.