as verdes noites do fundo dos teus olhos

Eu sei que não era bom que eu tentasse, que eu insistisse, mas eu pensei “por que eu deveria ficar angustiado por não ter chegado lá na borda, lá no limite?”. E eu vim. Mas agora me arrasto como pano de chão, rasgo como um caco de vidro. Estes foram os melhores e piores dias da minha vida, sem mágoas. Dos melhores e piores não sei se o que restou de mim é o que tenho de mais forte, de mais bonito, de mais duro ou de mais inútil. Isso que sobrou de mim depois dessa patrola, isso não sou eu... sou? Aqui no limite não mora muita gente, mas eu. Alguém mora na borda? Ou a borda foi feita para que seja experimentada sempre do seu lado avesso, sempre como estrangeiro, como forasteiro...
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E aqui mais uma borda e mais uma tentativa, mais uma insistência. E eu penso “por que eu deveria ficar angustiado por não ter virado estrangeiro e forasteiro?”. Vou lá revirar a borda, pôr do avesso o limite (as minhas, os meus [e de arrasto levo dos outros] que eram tão curtos e próximos e hoje se alargam). Mas esse estrangeiro que me tornei, esse exilado – é bem verdade – ele é a parte dura de alguém que já foi mais agradável, porém bem menos aventureiro. Gosto desse exílio, desse estrangeiro, mas o viajante no qual me tornei já não guarda mais nenhuma similitude – aparência, similaridade, equidade, correspondência – com o genuíno e autêntico EU. Só sobrou a parte dura, a casca-do-fora, o bagaço. O sumo se foi. Depois da patrola, o exílio, e só resta a casca-do-fora. "Nunca houve o genuíno", me diz o forasteiro; "não há autenticidade, nenhuma nacionalidade do eu, nenhum eu-pátria", me diz o estrangeiro. O nômade acredita ter raízes na terra apenas enquanto a madeira queima na fogueira, em torno das barracas recém levantadas, depois vai-se embora com as cinzas.
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Eu olhei apenas de relance, não quis me deter. Mas são tão verdes as tuas noites quanto são azuis as minhas? São tão desgrenhados os teus travesseiros quanto são encaracolados cor-de-mel os meus? Não nos demos conta naquele momento, mas éramos forasteiros um do outro. E como nômades que somos, passamos por mim e por ti quase sem debruçarmo-nos mais extensivamente na terra a ponto de fazer fogueira. Não há cinzas de nós. Só verdes noites pra ti, travesseiros platinados pra mim.