Odiando o que de mim há nela

Tende a continuar. E tende a ir perfurando esse espaço estreito aqui do meu esterno, bem fundo, até me atravessar. A náusea é desconcertante: quando olho o rosto dela, há uma contração involuntária no meu corpo que pede pra colocar tudo de ruim que sinto pra fora.
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Não sei se é pela repulsa que sinto a todas as roupas que ela escolhe colocar – patetiquinhas, ridiculazinhas, infantilóides, abobadas. Ou se pelo tom de voz, pelos trejeitos das mãos e pelos vícios de linguagem. Mas acho que o pior mesmo é ter de ouvir o conteúdo das suas opiniões (nem toda opinião tem conteúdo, as dela têm e são desprezíveis).
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Fico me perguntando, é claro, o que de mim há nessa pessoa tão deprimente: será que, em algum lugar de mim, eu também me ache rastejante? Ou será que em alguma medida eu invejo sua pequenez: essa preguiça indolente, esse atraso no raciocínio, essa satisfação crua com migalhas. Pomba. Ela é uma pomba. No máximo uma foca em cativeiro: se satisfaz com peixe enlatado.
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Será que é a inveja que me corrói? Uma vontade absurda de ser pouquinho, de ser raso, uma vontade louca de ter medo de tudo, de não enfrentar nada, uma vontade eletrizante de paralisar diante de situações que deveriam catapultar. Será inveja, será? Será que eu gostaria mesmo de pouco menos de dois salários por mês, algumas drogas ilícitas para alcançar estados alterados de consciência, bebidinhas, comidinhas e muita reclamação de que tudo é pouco, tudo é insatisfatório, “céus, o que fiz para merecer isso?”. Será mesmo que é o vestido longo da vítima que me cai melhor?
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Seja isso: sinto náuseas ao ouvi-la, ao olhá-la, ao senti-la e então tudo o que sinto por ela é também o que sinto por mim. Não é de todo inverossímil. Mas também não é assim o tempo inteiro. O desejo de ser moderninha é algo tão... velho. O desejo de ser pop é algo tão... baixo. Cool, Cult: ai, que cansaço. Na sua segunda frase já dá pra perceber que se trata de uma adolescente frustrada querendo estender ao máximo sua juventude não vivida para as bordas pós-balzaqueanas. Será que é assim que me vejo: um velho descontextualizado, rasteiro e rastejante como um pano de chão, posando de guri para enganar a si próprio e aos outros ao gritar com todo o corpo “me amem! Sejam meus amigos! Sou simpático! Sou agradável!”.
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O suicídio é um dever. Um dever pra mim, se aquilo que odeio nela é tudo que em mim também está.